4- Um mundo novo

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Era uma reunião importante em torno da fogueira, atrás das casas.

O Alpha, Lucius, e seus quatro lobos guardiões estavam em silêncio ouvindo Oliver revisitar aquela fatídica noite. Cada palavra proferida trazia de volta toda a dor e desespero daquele momento, mas ele sentia-se na obrigação de ser absolutamente sincero com aquelas pessoas.

- " Então não reconheceu a pessoa que o sequestrou?"

- " Não senhor"- respondeu ele, encarando pela primeira vez Ernesto, o primogênito de Lucius .  - " Mas essa pessoa sabia o que você era...."

Ele assentiu. Era muito óbvio que o homem que o prendeu contava com o lobo sem controle dentro de si para sua diversão sádica.

-" Era outro lupino?"

-" Não cheirava como um...mas também não cheirava como um humano....não sei....nunca senti antes..."

- " De onde você vem?"

- " Eu nasci numa comunidade parecida com essa....minha tribo ficava para os lados de Goiás...Lá não havia muito para mim, ou para minha noiva. Viemos de cidade em cidade, procurando um lugar pacato e próximo da mata...chegamos à Porto Azul e parecia seguro trazer Yolanda para cá"- uma nuvem escureceu seus olhos- " Eu estava errado..."

- " Você deixou família em sua tribo? Alguém para quem voltar?"- Agnes estava realmente curiosa pois nunca tinha conversado com um lupino descendente de indígenas. 

Oliver Suspirou. Era difícil explicar.

"- Não sei quem são meus pais. Toda a comunidade é responsável pelos bebês, então eu não saberia dizer qual das mulheres era realmente minha mãe, embora eu provavelmente seja filho do Alpha, pois somos fisicamente muito parecidos, não tenho como saber"- e diante do olhar de espanto da moça, continuou- " É estranho, eu sei, mas somos menos civilizados do que vocês...coisas modernas e humanas, são aprendidas apenas por rebeldes, como eu. Por Isso tivemos que sair...Yolanda era humana, não tinha grande serventia para eles."

"- Somos progressistas, sem dúvida..."- Evandro murmurou mais para si mesmo, mas Lucius sabia perfeitamente como o filho sentia-se a respeito.

Houve um tempo em que ele achava que todas as mudanças os afastariam da sua natureza lupina. Ainda hoje pegava-se pensando se o pai escolhera certo ao promover essa aproximação com a comunidade humana...nenhum outro lobo nascera desde Diogo, seu sobrinho.

Sua irmã parira o último lobo de Monte Azul. E agora jazia sob as árvores carregadas de flor do quintal de sua mãe. Tinha amado Helena por sua força e carisma. Sabia que ela era uma líder honrada, juntos poderiam ter cuidado de tudo....se Thales não tivesse saído do inferno para seduzi-la, aquela criança jamais teria nascido e Helena ainda estaria entre eles.

Não concordava com as crianças da fazenda estudando em escolas humanas, nem com o fato de que Agnes agora cursava uma faculdade...eles usavam carros e celulares, quando na cidade e iam até lá com uma frequência preocupante. Ninguém realmente poderia perceber o sangue selvagem que corria em suas veias, mas misturar-se assim era uma vantagem ou um perigo?

- "Sua permanência aqui é um risco, garoto. Além de não saber controlar sua besta, além dos costumes completamente diferentes dos nossos, como desconhecemos o motivo de ter sido sequestrado, podemos imaginar que nossa comunidade corre o risco de chamar a atenção de seu captor, o que colocaria todos nós na mira de um possível caçador." 

Oliver ergueu os olhos cansados e encarou Ernesto.

-  "Tem toda a razão. Eu não planejo ficar. Estou bem o bastante para partir e agradeço pela hospitalidade."

-  "Isso só pode ser brincadeira, tio!"- Diogo levantou-se, derrubando a cadeira em que estivera sentado- " Não viramos as costas a um irmão que precise de ajuda!"

-  "Ele não é seu irmão. Não sabemos nem se sua história é verdadeira. Só temos a palavra de um desconhecido e uma ameaça pairando sobre nossas famílias. Você nunca teve que lidar com os malditos caçadores, moleque, então não tem o direito de opinar."

Lucius levantou-se. A agressividade de Ernesto estava indo longe demais.

- "Meu filho e meu neto têm o péssimo hábito de dizerem tudo o que pensam...quando na verdade apenas eu devo falar"- lançou um olhar de reprovação para ambos-" Nós o ajudaremos a controlar sua metamorfose primeiro. Depois você terá segurança para seguir para onde seu destino o levar. Acabamos por hoje."

O mais velho levantou-se e partiu para a casa. Ernesto fez o mesmo, irritado. Odiava quando o pai o desautorizava na frente dos outros.

  Ibrahim, o grande e forte descendente de sarracenos, que estivera em silêncio até então, falou, solene:

-  "Confie em Calíope. Ela guiará seu lobo para a luz até que possa encontrá-la sozinho"- Sua pele negra brilhava à luz do fogo. Os longos cabelos trançados lhe conferiam um ar majestoso e digno. Oliver não entendia o que ele queria dizer com aquilo, mas agradeceu, antes de levantar-se também. Ia voltar para seu quarto quando Diogo segurou-o pelo braço.

- "Minha irmã já lhe deu uma amostra de sua habilidade com as palavras...lembra quando finalmente saiu do quarto? Não precisa ter medo de nada, estamos juntos nessa."

- "Eu não entendo..."

- " Herdei do meu pai, Oliver..."- Calíope juntou-se a eles, trazendo uma caneca de chá para cada um. Estendeu a primeira para Ibrahim, sorrindo e ele curvou-se em agradecimento. Entregou outra para Agnes, junto com um beijo no rosto e ofereceu as últimas duas para os rapazes. O aroma delicioso de hortelã preencheu o ar.

- " Herdou o que?"

Ela sorriu. Por um instante ele teve novamente medo dela. Era como mergulhar numa lagoa desconhecida, com algo muito estranho movendo-se sob a superfície. Era alta e parecia sábia demais para sua idade.

- " Bruxa..."- Diogo quebrou o silêncio, ficando entre os dois e quebrando o contato visual que o mantinha prisioneiro daquela sensação- " Se o nosso pai covarde não tivesse fugido, estaria orgulhoso do pequeno monstrinho que criou."

Ela riu, dando de ombros.

- " Não assusto você, não é, Oliver?"

Ele mexeu-se incomodado. Não sabia dizer se era medo, mas sem dúvida, era algo desconhecido e surpreendente.

- " Eu só vejo uma menina...mas tem poder demais para um corpo tão pequeno. Você deveria estar mais assustada do que eu".

Ela ficou séria, enquanto o encarava mais uma vez.

"- Talvez eu esteja...mas não tenha outra opção a não ser conviver com isso...exatamente como vocês."

Isso deixou a todos pensativos, enquanto tomavam seus chás em silêncio.




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