O CONVITE

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Acordei sentindo um leve fervor na pele e terra seca sob um lado do meu rosto. Meus olhosnão queriam abrir, pois a luz do ambiente estava forte demais, então me apoio nos cotovelose encaro o chão, só assim, venho a enxergar e me deparo com grãos de terra e peauenas folhagens rasteiras. Depois de uns segundos me adaptando, me sento e avalio ao meu redor: pelomenos 5 mulheres estão dormindo e posso ouvir movimentação na casa, além do vento nasárvores e da canção de alguns pássaros. Agradeço ao Universo por mais um dia e me levantoindo em direção a cada, clamando mentalmente por um café. Só quando chego à porta queparo e me ocorrem flashs da noite passada, da dança, do chá, do homem... Mas quem era elemesmo? Não consigo me lembrar do seu nome, era algo diferente, ele era diferente, doíaolhar pra ele... Sentindo o calor nas minhas peles desnudas das costas, me lembro: ele disseser o Sol.
Mas como isso é possível? Como poderia ter tido uma conversa com um ente tão superior, tãomagnifico? Quem era esse espírito que estava perturbado o suficiente para se colocar como tal personagem? Por qual razão veio à mim? O que ele queria dizer com tudo isso?Eram tantas perguntas, tanta informação, que demoro para ouvir a incessante pergunta deMarlene:
- Querida, você está bem?
- Sim, estou...
- Sei que deve estar um pouco perturbada, nunca havia visto alguém passar por algo tãointenso logo na primeira experiência. - Marlene fala com espanto e admiração.
- O que aconteceu depois da dança? Não me lembro de nada... - Pergunto, querendo saber sefiz algo ou alguém mais viu o tal Sol.
- Todas desmaiaram em certo momento. Você primeiro, e depois, todo mundo adormeceu àcéu aberto e aqui estamos nós agora. - Falou a garota em frente à pia, que apreciava o vapordo café em sua caneca com cara de espanto, de quem não sabia o que aconteceu.
- Só preciso de um café e um banho, preciso ir.- Falo para ninguém em especial, mas Marleneme serve prontamente uma caneca e uma toalha. Viro a caneca e quase não consigoaproveitar o gostinho do café, mas já estou atrasada.
Deixo a água levar a angústia das falta de respostas e me permito relaxar com o vapor quepreenchia o banheiro inteiro, fechando os olhos por um momento, curtindo a luz do Sol queinvadia o lugar pela pequena janela e brilhava no meu rosto.
-Vocês encontram tamanha paz no banho, mas nem pensam no desperdício que isso traz. Já
parou pra pensar nos litros de água que estão indo embora nesse seu momento de busca pelacalma?
Meu coração dá um salto com a voz grave que vinha do lado de fora do box, mas merecomponho rápido, já que tenho algumas...
-Perguntas a fazer. Eu sei, eu sei, já esperava por isso.- Sol completa meus pensamentos.
-Quem é você? De verdade? E por qual razão veio à mim e como isso aconteceu?- Pergunto,disfarçando a surpresa da previsão dele.
-Já te disse quem sou, eu sou o Sol. Quanto a outra questão, sugiro um lugar mais propíciopara um diálogo. Se arrume rápido e esqueça essa tentativa falha de se acalmar, aceite seucaos e venha comigo para essa noite escura.
Sinto que a presença dele já não está mais ali, mas sua frase ainda flutuava pela minhamente: "aceite seu caos e venha comigo para essa noite escura". Noite escura? Ir para uma
noite escura, com quem diz ser o Sol? Sinto vontade de contrariar e passar horas ali, masminha curiosidade é mais forte e me lembro do seu lembre sobre a água, isso pesou um
pouco na minha consciência.
Coloco um vestido laranja rosado, me despeço de todas ali, agradecendo cada uma pelaoportunidade e experiência.
Havia decidido que iria saciar finalmente minhas curiosidades
quanto a espiritualidade e novas experiencias. Mesmo meus pais me achando muito nova para tais buscas e não entendo o sentido disso, não refutaram minha decisão, contanto que eu continuasse me mantendo financeiramente e sustentando minhas empreitadas.

Agradeço todos por quem passo, mas na saida, dona Marlene me para e responde:

-Eu que agradeço você, Lucia. Tive sonhos noite passada com respostas e pessoas queprocurava a anos. Menina, força e prosperidade nessa sua nova jornada, sabe onde nosencontrar se precisar.- Marlene me falava com tamanha sinceridade, que me abalei umpouco, antes de passar pela porta e me deparar com uma rua refletindo o sol forte de meio dia.

 
Caminhava em direção à estação, perdida nas lembranças dos últimos acontecimentos. Eunão tive sonho algum, mas ainda não sabia quem era aquele homem, o que ele queria, de
onde vinha e porque ainda não apareceu novamente... Chego na estação e me sento para esperar o treme uma música começa a desenrolar na minha mente, prefiro colocá-la em destaque, me corroersó será pior é, para ir para longe dessas dúvidas, coloco os fones e pego meu celular, avisominha mãe que estou à caminho e fecho meus olhos, permitindo minha mente descansar.
-Sabe, quando você começa a se atormentar com as dúvidas eu não consigo me aproximar,você fica cercada pelas suas perguntas, elas ficam te rodeando como um tornado. Agora,quando você procura apaziguar sua mente, manter a calma e embarcar nos mistérios da vida,demonstrando ter fé nela, aparecer para você é simples e prático, então, futuramente, tratede cooperar.
- Não sei se algum dia vou me acostumar com as suas aparições repentinas. - Falo, com a mãono peito, em uma tentativa de acalmar meus batimentos cardíacos.
- Você terá objetivos maiores que esse, querida. – Ele fala, com uma calma e até um certodesdém.
O trem chega, mas fico encarando este homem, que hoje veste um terno azul claro euma gravata com os tons de um por do Sol. Ele me encara de volta e fala:
- Vamos, no caminho poderei finalmente te explicar tudo.
Ele se levanta e caminha para o ultimo vagão. Sigo ele e ao entrar, percebo que estávazio e o encontro sentado observando uma janela.
- Quem é você, de verdade? – Pergunto.
- Sou o Sol e já me cansei de falar isso a você. – Ele fala e me fuzila com os olhos, mas aoencarar de volta seu olhar, vejo raios dourados ali, vejo uma tempestade de ouro e sinto meu
olho arder um pouco, decido não insistir nesta pergunta.
- Tudo bem... Mas, por qual razão veio até mim e continua a manter contato? – Questiono,realmente curiosa.
- Dentre todos os humanos no momento, você era a mais receptiva para a minha presença eo meu objetivo, era a que mais estava aberta à uma nova ideia, à uma nova vida, à mudanças.

 
Compreendendo a minha obvia expressão de confusa, ele fala:

 
- Imagine um conjunto de vasos á sua frente, e nas suas mãos, você carrega um pouco deterra e uma semente que precisa plantar, mas na grande maioria dos vasos, já existe algo plantado, seja algo bom ou ruim, com exceção de um ou dois vazios... Você vai optar porplantar a sua semente primeira semente no vazo já cheio e lidar com o trabalho de manusear o que já existe lá, retirando e restaurando, lidando com toda a resistencia e dor ou no vazio ?
- No vazio...
- Pois bem, e sim, há dois vasos vazios neste conjunto, mas aí, vamos á outro ponto, o queestá mais próximo de você e o que está mais distante... Então, você era a que estava mais
acessível, pois estava naquela cerimônia, com sua janela espiritual escancarada, totalmentepropicia para o meu objetivo.
- E qual seria esse objetivo? – Pergunto, sentindo o peso da resposta que estava por vir sópelo olhar dele.
- Dar uma chance a humanidade. Já estou farto, já me cansei de vir iluminar tanta ignorância,tanta maldade, mas não posso simplesmente destruir tudo, nossa Criadora jamais permitiria,então pedi para ela me dar algum recurso... Alguma ideia para que eu possa fazer algo e nãoficar apenas assistindo de camarote a humanidade se afundar em seus próprios venenos.
E ela me deu o direito de conquistar um aprendiz, fazê-lo chegar ao ápice da espiritualidadeque um humano tem direito, ensinar ele a entrar em unificação com o Universo e, então,
quando conseguir isso, este aprendiz irá guiar pessoas para um novo rumo.
Não sei bem como reagir á essa informação, sinto o peso dela, mas não consigodigeri-la. Apenas encaro Sol, seus olhos brilham, estão sérios e calmos, me encaram de volta e
não param de dançar traços dourados em volta de sua pupila.
- Eu sou a sua aprendiz? – Pergunto, finalmente.
- Isso depende... Você quer ser minha aprendiz? - Ele me avalia com o olhar. - Você terá quese entregar completamente á isso, vai ter que abrir mão de todo o seu passado, de boa parteda sua vida, vai ter que se purificar por tempos, vai doer tanto quanto ser queimada viva, mas
você já sabe a consequência disso, o objetivo disso, a pergunta é: Você aceita este convite?
- Aceito. – Falo sem pensar, a palavra simplesmente saiu, e fico espantada com o que acabeide me comprometer.

O Sol De LúciaOnde histórias criam vida. Descubra agora