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''O ano era 1982, eu estava indo embora para casa, sozinho, depois de ter passado na farmácia. As ruas estavam movimentadas como qualquer outro dia, era uma rotina boa e gostosa. Eu tinha uma amiga, Isabelle, nós dois vivíamos juntos do outro, inseparáveis... Ela não gostava de fumar e não bebia, dizia que fazia mal e o seu tio havia morrido de cirrose — Um caso triste e trágico. Em uma tarde de sexta-feira, fui à casa dela, enquanto nós dois estávamos conversando, rindo, ouvindo algumas músicas e dançando. A música do baile tocou, no mesmo momento lembrei daquela noite maravilhosa, ela era meu par naquela festa. Olhe bem, eu não sabia dançar, ela que me ensinou, de improviso. Tocou a música, fiquei perpetuo, os olhos cresceram com um susto, coração começou a bater um pouquinho mais rápido, as mãos começaram a ficarem frias — Ela automaticamente me puxou e fomos dançando, não dissemos nada. Nossas bocas ficaram caladas até o meado da música, parece que não resistimos e nos beijamos, parei, olhei para ela, ela olhou para mim, e em toque de quatro segundos, voltamos a nos beijar. No final da música houve um diálogo:
— Te amo!
— Te amo!
Passou-se alguns meses, nós dois estávamos namorando, estava tudo certo, como planejado. Gostávamos de ir ao parque e planejar coisas, qual o nome do nosso primeiro filho, mas o que realmente me marcou foi quando ela disse ''Não importa como seja, o nosso plano é ficarmos bem!''. Levei isso no coração, mas nem sempre a vida é justa! Ela foi para o hospital, e ao bar, havia começado a beber e a fumar. O Doutor disse que era grave demais e iria se agravar mais ainda, ou seja, era certeza o óbito. Eu não enxergava a vida como antes, não naqueles dias, com aquela noticia — Eu antes, via beleza nos bares, nas pessoas, tinha esperança de algo novo, renovação. ''O plano é ficarmos bem'', mas não ficamos. Não ficamos, caralho! Eu morri por você, eu morri! Nasci, nasci. Fui feliz, fui feliz! Eu pirava quando te via chegar, meu coração sorria!
— Ei cara, o que está rolando? Parece que um caminhão te atropelou. Por que está chorando?
— Nada, seu velho escroto!
— Ei, ei, calma meu rapaz!
— Vá à merda!
— Não quer desabafar? A mulher te traiu?!
— Não fale merda, seu rabugento! 
— Desculpa, cara. Não queria ferir teus sentimentos...
— Ela vai morrer daqui alguns dias.
— O que? Como assim?
— Uma doença que leva ao óbito rápido.
— Meus pêsames, cara.
— Tudo bem. Mentira, não está tudo bem. Estou na merda!
— A morte não significa o fim.
— Mais uma dose, por favor. E traz outra carteira de cigarro.
— Assim você vai se matar, cara.
— Já estou morto!

Eu não aceitava a morte, ainda mais quando era de uma pessoa querida minha. Deixava aquilo comer todo meu ser, só que assumo a negatividade que trazia. Precisava parar com isso. N'outro dia, lá estava o médico, ''Veio à óbito, meus pêsames!'', eu chorei. Chorei igual cachorro sem dono, igual uma criança quando se separa da mãe pela primeira vez. Minha vida iria mudar drasticamente, e eu sabia disso. Percebia a sombra querendo me cobrir, e a carência querendo transar comigo debaixo dos lençóis. Os pensamentos vieram com toda intensidade ''é o fim'', ''não tem mais jeito'', ''já era'', ''acabou, boa sorte''. Lembrei do velho do bar, ''a morte não significa ser o fim'', fui para o meu carro, coloquei Los Hermanos, e fui em direção a praia. Parei em um local alto, a vista era incrível, aumentei o som, o vento soprava forte, balançando a minha camisa e a sensação era boa. Era naquele local, o antigo parque, aonde nós dois vinhamos planejar — O plano era ficarmos bem. Mas já que você não está aqui, o que posso fazer? É cuidar de mim... Peguei a carta que o médico me deu, ele disse que você havia pedido para ele me entregar.
Nela estava escrito.

''Desculpa, C. Não era meu plano, nosso plano, não estava previsto eu morrer, é culpa do destino. Esse é o meu último dia,  e eu só choro lembrando do nosso primeiro filho, ''Drummond'', choro por você me convencer morar no Canadá, por gostar de firo. Gostar de dormir agarradinho comigo. Lembro da nossa música, a música do baile. Dos nossos passos, do nosso primeiro beijo, da nossa primeira transa, do nosso primeiro toque. Vou sentir saudade, C. Saudade de não te chamar mais, de ver teus cachorros pularem de alegria quando me vêem. Desculpa por não poder continuar contigo, mas acredite, eu não só te amo, eu te admiro, e o pior de tudo é ter a noção que irei morrer. Caralho, eu estou muito desesperada. Venha me ver, vem cá me tirar dessa, vem, me busca desse hospital. Venha me abraçar, venha, cara! Vem dizer que me ama. Dorme comigo, não me abandona... Desculpa, C. Estou chorando, te amo muito cara! Adeus.''

— Luan FH.

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