Conclui que, por algum motivo misterioso, ela realmente não queria falar sobre o assunto. Porém, o mal-estar entre nós desapareceu assim que o menino chegou, no dia seguinte. Era uma criança de tirar o fôlego, encantadora, linda e com indiscutível ar de pureza. Miles inspirava a mesma sensação de alegria e causava um magnetismo ainda maior que o de Flora. Mrs. Grose, percebendo meus sentimentos pelo garoto, perguntou:
— O que vai fazer, Miss?
— Em relação à carta do diretor? Não farei nada.
— E o que dirá ao tio dele?
— Não direi uma palavra.
— E ao menino, o que dirá?
— Absolutamente nada— respondi, decidida.
A boa mulher precisou enxugar as lágrimas no avental antes de pedir para me dar um abraço.
— Conte comigo, Miss. Essa criança seria incapaz de um ato de maldade — disse ela.
— Vamos até o fim — falei, com emoção.
O abraço nos uniu, nos deu força e alívio. As semanas se passaram, e eu estava cada vez mais encantada com meus alunos. As duas crianças pareciam um casal de príncipes! Os dois estavam sempre me rodeando, fazendo perguntas, sendo amáveis e educados. Eram também carinhosos, de modo que nunca iam se deitar sem me dar um beijo cada um. A questão do diretor do colégio passou a ficar totalmente em segundo plano. Para mim, Miles estava acima de qualquer suspeita.
Todos os dias, depois do chá, os meninos iam dormir e eu tinha um tempo reservado só para mim. Por mais que eu os amasse, era essa a hora deque eu mais gostava. Caminhava pela propriedade antes de escurecer e imaginava meu patrão se aproximando, vindo de alguma parte da casa ou talvez do portão de entrada. Ele beijava minhas mãos e me cumprimentava pela ótima educação que eu estava dando a seus sobrinhos. Ah! Como eu torcia para esse momento chegar...
Certa tarde, nessa hora que era só "minha", essa fantasia se tornou realidade. Infelizmente, não da maneira como eu sonhava, mas de fato eu estava vendo alguém no alto da torre em que Flora me levara quando cheguei a Bly. Era um homem, dava para ver, mas a longa distância que nos separava não me permitia reconhecer suas feições . Senti-me subitamente fraca. Caminhei algunsmetros em direção à torre e notei que o homem também me encarava, tãosurpreso quanto eu com nosso encontro. Ele não usava chapéu, sinal de que era muito íntimo da casa, ou uma pessoa sem classe. Eu não o conhecia, não o tinha visto em Harley Street, nem no vilarejo próximo a Bly. Também não poderia ser um dos funcionários, pois, àquela altura, eu já conhecia todos eles. Acredito que cerca de um minuto tenha se passado. Ele estava a uma distância grande da casa, mas pude ver que caminhou para o outro lado da torre sem tirar os olhos de mim. Foi se afastando aos poucos e, quando finalmente desapareceu, não consegui precisar para onde tinha ido, se desceras escadas da torre ou se simplesmente sumira com o vento.
Fiquei paralisada por alguns instantes, depois saí andando pela proprie-dade atrás dele. Devo ter caminhado mais de dois quilômetros ao todo, mas oesforço foi em vão, não vi nem sinal do homem. Quando cheguei em casa, anoite já havia caído e Mrs. Grose estava à minha espera na porta de entrada.
Achei melhor não dizer nada, pois eu estava confusa, sem saber direitoo que pensar do ocorrido. O medo começava a invadir meu corpo e algumasquestões não me saíam da cabeça. Haveria algum tipo de segredo em Bly?Dei uma desculpa para Mrs. Grose pelo atraso e fui me deitar.
Passei três dias observando tudo ao meu redor, principalmente os em-pregados. Não notei nada de anormal e concluí que aquele homem deveriater sido um intruso, alguém que estava viajando e havia parado para dormir na torre, um dos locais mais abrigados da propriedade.
Mais calma, livre do medo e dos pensamentos ruins, voltei a me dedicar de corpo e alma à minha tarefa de educar Miles e Flora. E como era feliz o meutrabalho! Os dois eram crianças tão meigas, que o excesso de doçura era oúnico defeito deles. Digo defeito porque apresentavam uma sensibilidadesomente comparável à de um anjo, o que me dava a impressão de que elesnão eram humanos.
Miles, principalmente, mostrava-se tão feliz e radiante, que poderia se dizer que ele nascia todas as manhãs. Uma única coisa ainda me intrigava: a expulsãodo colégio. Depois de pensar muito no assunto, dei-me por satisfeita com a conclusão à qual cheguei: Miles era inocente demais para o mundo lá fora. Meumenino era um anjo que ainda não estava pronto para enfrentar um diretor frio e calculista. Além do mais, como ele nunca mencionara o colégio, os professores e os colegas, não seria eu a lembrar-lhe uma experiência ruim. Resolvi colocar uma pedra sobre a questão.
Certo domingo, Mrs. Grose e eu resolvemos assistir ao culto das seis. As crianças já estavam na cama. Pedi à boa governanta que me esperasse um minuto, pois precisava pegar as luvas que esquecera na sala de estar.
O dia já estava no fim, por isso a sala não tinha muita luz, mas enxerguei as luvas sobre a poltrona, exatamente onde eu as havia deixado. Peguei-as e já ia saindo, quando deparei-me com uma figura na janela, do lado de fora da casa. O mesmo sujeito que eu vira na torre agora estava lá, olhando para mima través do vidro.
Ele só ficou alguns segundos, depois desapareceu, mas foi o suficiente para eu sentir o sangue gelar. Durante o tempo em que ficamos frente a frente percebi outra coisa. Seu olhar desviou duas ou três vezes do meu em direção a outros objetos da sala, o que me fez ter certeza: não era eu que ele queria, e sim qualquer outra pessoa!
Corri até o lado de fora, na expectativa de encontrá-lo, mas o homem não estava lá. Resolvi então repetir os movimentos dele. Aproximei o rosto da janela e olhei para dentro da sala de estar. Exatamente nessa hora, Mrs. Grosei-a entrando na sala a minha procura. Ela parou, assim como eu fizera minutos atrás, e empalideceu, o que me fez imaginar se meu rosto também perdera a cor. Em seguida, também saiu da casa em direção ao jardim. Quando nos aproximamos, notei que ela ficara tão transtornada quanto eu! A boa mulher estava em estado de choque!
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A VOLTA DO PARAFUSO
Bí ẩn / Giật gânO medo é algo fascinante, embora também seja aterrador.