3 - A PRINCESA DE ERLANGON

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Gelada como o beijo da morte, a chuva caia pesada do céu cinzento da Franconia. Em frente ao fogo, sentado silenciosamente em uma enorme cadeira de pinho, Sir Alexander Fabricius contemplava as labaredas vermelhas transformando o carvalho em brasa, suas sombras a percorrer a enorme sala de pedras negras. Aquele descanso era merecido, pois o combate matutino esgotara-lhe as forças e rendera-lhe novo ferimento. O médico da vila, que servia ao senhor Otto von Malthus, prefeito de Erlangon, bem cuidou da ferida em seu braço, aberta pela espada afiada de um soldado da Franconia. Otto von Malthus havia realizado um acordo com Alexander, e ofereceu todos os seus bens em ouro e florins, além de estadia e comida gratuitas para os soldados, se eles não roubassem suas casas nem estuprassem suas mulheres. Alexander não estava inclinado a aceitar, mas pensou que talvez uma boa bebida e a divisão do pequeno tesouro de Erlangon deixariam os soldados satisfeitos, não havendo razão para mais mortes e sofrimento. Além do mais, o prefeito garantiu que os homnes de Alexander seriam tratados pelo melhor médico que havia no sul da Germânia, sendo ele solicitado muitas vezes para atender o próprio Conde da Francônia. E, de fato, Alexander comprovou o feito. O doutor Abraão Zucker ministrou ungüentos e poções de ervas que retiraram toda a dor que a ferida de Alexander provocava, restando um curativo muito bem feito. Abraão Zucker disse que praticava a chamada medicina oriental, e os padres de Roma não aprovavam seu misterioso ofício. Contou que teve de fugir de Veneza há dois anos, depois de ter salvado o Bispo de uma febre repentina, pois quando este ficou curado, o acusou de bruxaria.

- Não passou de uma estratégia do Bispo – disse o médico para Alexander enquanto ministrava um de seus remédios de sabor amargo. – Ele não queria me pagar, ou não tinha dinheiro. E eu salvei a vida dele! Diga-me cavaleiro, quanto vale a sua vida?

- A minha não vale muita coisa – brincou Alexander.

- E mesmo assim estou tratando de você – disse rispidamente o velho médico. - Agora o cavaleiro deve descansar. Minha filha Maria irá terminar de colocar a bandagem – e o homem de cabelos cinzentos e roupas negras deixou o aposento em silêncio. Uma donzela de cabelos longos e escuros como a noite, ingressou com a cabeça baixa, com gestos respeitosos e humildes no quarto iluminado pela lareira. Imediatamente sua beleza despertou o sentimento de cobiça do guerreiro da Normandia, mas lembrou-se do acordo que fizera com von Malthus. Com muita delicadeza, a jovem teceu cuidadosamente os pontos da ferida de Alexander, a cobrindo gentilmente com um tecido de lã branca ensopado de ungüento. O estranho curativo tinha um aroma agradável de ervas que Alexander desconhecia. A filha do médico trabalhava com uma expressão fria no rosto, que contrastava com a boca delicada e macia, o nariz afilado, e seus lindos olhos esverdeados. Seus movimentos eram leves e precisos.

- A senhorita é muito bonita para ser uma enfermeira. Embora eu deva admitir que possua um talento nato. Deve ter aprendido muito com seu pai – disse Alexander da maneira mais cordial que conseguiu.

- O senhor deve comer - disse timidamente a dama - trouxe-lhe um caldo de carne com legumes.

- Não me chame de senhor –respondeu ele com um sorriso – somos da mesma idade, creio eu. Qual sua idade, senhorita?

- Tenho dezenove anos – respondeu Maria arrumando os longos cabelos. Ela usava uma fita com flores de lavanda para prendê-los. O cheiro inebriante deixava o cavaleiro cada vez mais interessado.

- Você tem as mãos de uma fada – disse o galante Alexander – Mas não merece essa vida de cuidar de doentes. Você é uma princesa. – A jovem pela primeira vez então olhou para Alexander diretamente nos olhos. Fitaram-se por um instante e em seguida ela levantou-se.

- Tenho afazeres meu senhor. Prazer em conhecê-lo.

- Eu posso tirar você daqui – disse o guerreiro seriamente. - Lhe darei um lindo castelo digno de sua beleza.

Alexander Fabricius - Cavaleiro NormandoOnde histórias criam vida. Descubra agora