Num certo sentido, nenhum de nós conhece bem aqueles com
quem convive. Nem mesmo nossos amigos muito chegados
conhecemos bem; nem eles a nós. Para conhecermos bem uma
pessoa precisaríamos saber todas as influências que recebeu da
hereditariedade ou do meio-ambiente, bem como todas as decisões
que já tomou, e que fizeram dela o que é no presente. Contudo,
embora não possamos conhecer profundamente uns aos outros, uma
tarefa das mais gratificantes seria procurar traçar os rumos da vida
de um homem, principalmente se pudéssemos identificar as grandes
forças propulsoras que o motivaram. Como seríamos abençoados se
pudéssemos receber, por exemplo, o mesmo impulso de vida cristã
que Paulo possuía, e compreender com maior clareza os significados
ocultos de sua afirmação: “Eu trago no corpo as marcas de Jesus”
(Gl 6.17).
Um fato está bem claro aí — trata-se do reconhecimento de que
Cristo é seu dono. Ele pertencia ao Senhor Jesus Cristo, de corpo,
alma e espírito. Ele fora marcado como propriedade de Cristo.
Quando afirmou que trazia no corpo as cinco chagas do Senhor, não
estava querendo dizer, como diria depois São Francisco de Assis, em
1222, que tinha “os estigmas”. Ele não se referia a uma imitação
exterior, mas a uma identificação espiritual, que se obtém pela
crucificação interior. Ele fora “crucificado com Cristo” (Gl 2.19).
E as marcas da crucificação interior de Paulo eram bem visíveis.
Em primeiro lugar, ele tinha a marca da dedicação total a uma tarefa.
Se for verdade o que diz a tradição, isto é, que Paulo tinha apenas
1,37 m de altura, então foi o maior anão que já existiu. Ele superou
em ritmo de vida, em oração e em fervor espiritual a todos os seus
contemporâneos. Seu lema era: “Uma coisa faço”. Mostrava-se
completamente indiferente a tudo que os outros homens glorificavam.
Calvino também foi muito criticado porque ficava o dia inteiro
sentado preparando sua obra Institutos, e não utilizou sua inspirada
pena para dizer nada sobre as glórias dos Alpes. Também Pascal
recebeu críticas amargas por ter afirmado que não via nenhuma
paisagem que fosse mais merecedora de contemplação do que a
alma imortal do homem. E assim também alguém poderia censurar o
apóstolo Paulo por não haver dito nada sobre a arte grega ou a
majestade do Panteon. É que ele só tinha olhos para o que é
espiritual.
Após a disputa que teve no Areópago, expôs abertamente o seu
desprezo pela sabedoria deste mundo, e dia a dia resistia à tentação
de querer superar os sábios, ou de querer filosofar mais que eles.
Sua missão não era defender um ponto de vista, mas derrotar as
legiões do inferno.
Houve um momento, provavelmente durante sua estada na Arábia,
em que a personalidade dele mudou totalmente. Depois disso, nunca
poderia ser tachado de apóstata. Achava-se por demais empenhado
em “prosseguir para o alvo”. É bem provável que, se hoje ele ouvisse
aquele hino tão apreciado entre nós — “Senhor, sei que tenho forte
tendência para me desviar de ti” — ficaria profundamente aborrecido.
E o fato de não ser benquisto, nem bem acolhido, nem ter um patrão
a sustentá-lo não o incomodava em nada. Seguia sempre em frente
— cego para todas as honrarias da terra, surdo a todas as tentações
para gozar o lazer, imune ao fascínio das glórias terrenas.
Outra marca que Paulo trazia em si era a da humildade. As traças
nunca poderiam corroer esse “manto” que Deus lhe dera. Nunca
utilizava a humildade para buscar o louvor dos homens. Ao contrário,
colocava-se sempre no primeiro lugar na lista de pecadores (quando
nós o teríamos posto em último).
Um velho teólogo galês disse que, se alguém sabe grego, hebraico
e latim não deve colocá-los no mesmo lugar em que Pilatos os
colocou, isto é, na cabeça de Cristo, mas, sim, aos pés dele. “Mas o
que para mim era lucro, isto considerei perda por causa de Cristo”,
afirma Paulo.
Que paz de espírito a humildade nos proporciona, que gozo é
saber que não temos nada a perder! Como Paulo não tinha uma alta
opinião acerca de si mesmo, não temia sofrer uma queda. Ele poderia
ter-se pavoneado com os belos mantos de um reitor de universidade
hebraica. Mas brilhou muito mais usando as vestes de um espírito
humilde e tranqüilo. Paulo foi marcado também pelo sofrimento. Vejamos só as
situações que ele cita em Romanos 8: fome, perigo, nudez ou espada
(tipos de sofrimento que causam desconforto físico) e mais ainda
tribulação (talvez da mente), angústia e perseguição (do espírito). Ele
suportou todos eles.
Esse judeu missionário guerreou contra os filhos dos homens e
contra tudo que fizesse guerra contra Deus. Esse príncipe dos
pregadores nunca poupava seu inimigo, o príncipe do inferno, nem
era poupado por ele. Travavam uma luta sem trégua.
Vamos olhar Paulo de perto, o seu rosto magro, seu corpo coberto
de cicatrizes, a figura encurvada de um homem castigado pela fome,
quebrantado pelos jejuns e pelas chicotadas; seu corpo mirrado,
brutalmente apedrejado em Listra, passando fome em muitos outros
lugares; e sua pele ressequida e rachada depois de trinta e seis
horas exposto às intempéries no Mediterrâneo. E acrescentemos a
essa lista perigos e mais perigos; multiplicando pela solidão;
contemos as cento e noventa e cinco chibatadas, os três naufrágios,
os três açoitamentos com varas, um apedrejamento, suas prisões, e
as “mortes” que foram tantas que se perdeu a conta. Contudo, se
pudéssemos somar tudo isso, teríamos que obter como resultado um
zero, pois era assim que ele considerava essas coisas. Ouçamos o
que ele diz: “Porque a nossa leve e momentânea tribulação...” Isso é
que é menosprezar o sofrimento!
Ademais, Paulo tinha a marca do fervor. Para que uma pessoa
invoque o testemunho do Espírito Santo a fim de atestar o que diz é
preciso que esteja vivendo perfeitamente no centro da vontade de
Deus e caminhando na corda bamba da obediência. Paulo faz isso
em Romanos, capítulo 9, verso 1.
Ah, se todos os pregadores de hoje pudessem demonstrar pelo
menos uma centelha dessa maravilhosa chama! Açoites não puderam
apagar o fogo que ardia nele; jejuns e fomes também não puderam
extingui-lo; incompreensões e mentiras não puderam abafá-lo; nem
as águas poderiam apagá-lo; nem prisões poderiam dobrá-lo; nem
perigos detê-lo. Ele continuou a arder, até que a vida se esvaiu de
seu corpo.
O Cristo vivo, que habitava no interior de Paulo (Gl 2.20), e que se
manifestava em seu fervor, era a um só tempo alarmante para o
inferno, o capital necessário para a expansão da igreja, e motivo de
alegria para o coração do Salvador (que, vendo o “fruto do penoso
trabalho de sua alma”, ficou satisfeito). Paulo era marcado pelo amor. Quando ele estava-se tornado
“adulto em Cristo”, cultivou também a capacidade de amar. (Somente
aquele que atinge a maturidade conhece realmente o amor.) E como
ele amava! Em primeiro lugar, e acima de tudo, Paulo amava ao
Senhor. Depois, amava o próximo, os inimigos, as adversidades que
enfrentou e até a angústia da alma. E deve ter amado muito esta
última, senão teria se dedicado menos à oração. E seu amor o levava
a buscar os perdidos, os menores, os mais ínfimos. Que amor
imenso! Ele amou as sinagogas com os tradicionalistas religiosos, o
Areópago com seus intelectuais, os mercados e ruas com seus
pródigos, e a todos desejou ganhar para seu Senhor. O amor era
como um poderosíssimo dínamo impulsionando-o a realizar grandes
coisas para Deus. Não existem muitas pessoas que se comparem a
ele na oração. É possível que McCheyne, John Fletcher e o grande
David Brainerd e alguns outros tenham conhecido um pouco dessa
arte que domina alma e corpo, que é a obra da intercessão motivada
pelo amor.
Lembro-me de uma ocasião em que pude estar ao lado da
Marechala,1
quando então entoávamos o maravilhoso hino de sua
composição:
“Tenho um amor que me constrange
A ir os perdidos buscar.
Entrego, Senhor, todo o meu ser a ti,
Para a qualquer preço os salvar”.
Não se tratava de uma declaração emocional. Ela pagou o preço
de prisões, privações, sofrimentos e pobreza.
Ao que parece Carlos Wesley estava buscando o máximo de Deus
quando escreveu: “Não desejo mais nada na terra, a não ser possuir
teu puro amor em meu coração”. E mais recentemente, Amy
Carmichael fez a seguinte petição: “Dá-me um amor que me
impulsione, uma fé que não esmoreça diante de nada”. Não há dúvida
de que essas pessoas se encontravam prestes a descobrir o segredo
do poder para ganhar almas presente na vida dos apóstolos.
Os grandes ganhadores de almas foram sempre indivíduos cheios
de uma grande paixão pelos perdidos. Todos os seus interesses
menores eram suplantados pelo amor maior. Foi seu grande amor
pelo Amado de sua alma que os fez chegar às lágrimas, ao labor
1 O autor refere-se a Sra. Catarina Booth Clibburn, filha do General William Booth, fundador do
Exército de Salvação, que foi ela própria uma grande missionária. NT.
intenso e ao triunfo final. Como podemos nós, que vivemos numa
hora de trevas, dar-nos o luxo de amar menos?
Desejo amar-te, ó Deus, e demonstrar esse amor
em atos, pensamentos, palavras.
Com esse amor poderei andar em justiça,
E servir-te como devo.
O amor torna mais leve as tribulações,
E suaviza as dificuldades.
O amor te seguirá sem questionar,
Agirá com ousadia e triunfará!
Brevemente milhões de pessoas receberão a marca do anticristo,
querendo ou não. Será que nos esquivaremos de receber em nosso
corpo, alma e espírito a marca de nosso Senhor, as marcas de
Jesus? O processo de marcar é doloroso. Será que estamos prontos
a nos submeter a ele? Ostentar uma marca é carregar sempre a
humilhação de ser escravo. Queremos mesmo ser marcados — como
propriedade de Cristo?
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Por que tarda o pleno avivamento?
SpiritualNem todos os livros - nem mesmo os bons livros - podem ser considerados uma mensagem enviada direto do céu. Mas acredito que este o seja. E o é porque seu autor é uma voz do alto, e o espírito dele fala por suas páginas.