ACOTAR: CALANMAI

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Estava no alto da colina observando a movimentação, isolado do resto dos feéricos e criaturas de todos os tipos que caminhavam por ali. Aquele era o único dia em que todos, sem exceção, em Prythian, eram realmente livres para irem onde queriam, inclusive eu. Tinha do crepúsculo até o alvorecer para perambular por onde queria, livre das mãos e das ordens de Amarantha.

A brisa soprou e inspirei profundamente. Senti um cheiro diferente, um cheiro que não sentia havia muito. Cheiro humano. Havia humanos em Prythian, e pior, no Calanmai. Seriam mortos, com certeza. Era um milagre terem conseguido chegar até aqui sem serem estripados. Por muitos anos não tive contato com humanos, eles me lembravam da guerra de mais de 500 anos atrás e toda a dor que vinha com ela. Junto com o cheiro humano, avistei uma pequena confusão no plano logo abaixo de onde estava, três feéricos atacavam alguém. Cheguei perto o suficiente para ouvi-la. Uma fêmea humana. Em Prythian. E justamente na hora do Grande Rito. Dia de sorte.

Ela precisava de ajuda. Aqueles machos feéricos iriam violenta-la e depois matá-la – imagino o que Mor faria se estivesse aqui –, se fossem bonzinhos não despedaçariam seu corpo. Cheguei mais perto e a fêmea tinha cheiro de medo, de desespero... mas ao mesmo tempo de coragem, ela estava disposta a enfrentá-los. Pus as mãos em seus ombros antes que ela caísse no chão e tentasse o golpe com a faca que empunhara.

- Aí está você. Estava a sua procura – falei com a voz grave e sensual que usava com as amantes que tinha colecionado ao longo dos séculos.

Os três feéricos inferiores ficaram pálidos e os olhos se arregalaram na mesma hora. Eles estavam desconfiados de que, talvez, eu afanasse sua diversão da noite. Passei o braço sobre o ombro da humana e me pus à seu lado.

- Obrigado por encontrá-la para mim – agradeci educadamente, ainda posto ao lado da humana que gritava desconfiança em seus pensamentos – Aproveitem o Rito. – os cortei como a lâmina de uma espada recém embainhada, mas ainda mantive o tom educado nas palavras.

Os feéricos enrijeceram o corpo e foram embora rapidamente, esbravejando xingamentos tanto em voz alta quanto em seus pensamentos. A humana se desvencilhou de meus braços e não pude deixar de abrir um meio sorriso brincalhão com o que ela acabara de pensar: "O homem mais lindo que eu já vira". Mesmo depois de tantos anos deixando fêmeas desconcertadas, o elogio ainda me agradava.

- O que uma mulher mortal faz aqui, na Noite da Fogueira? – perguntei mantendo o mesmo tom, só que mais baixo, como o ronronar de um gato.

Ela deu um passo para trás, com clara intenção de se afastar. Ela estava curiosa mas ao mesmo tempo tinha medo. Seus olhos me varriam de cima a baixo, reparando em tudo. A humana não sabia, mas estava sendo minha boa ação do dia e ao mesmo tempo, um divertimento.

- Minhas amigas me trouxeram. – ela mentiu.

- E quem são suas amigas? – eu sorria para ela, avaliando seus movimentos e reações.

- Duas moças – ela mentiu mais uma vez.

- Os nomes delas? – perguntei de novo, dando um passo em direção a fêmea enfiando as mãos nos bolsos despreocupadamente, sabendo que ou ela iria mentir ou não responderia.

Eu ri.

- De nada por ter salvado você. – falei em tom arrogante com certa graça na voz. Percebi o medo percorrer seu corpo e os sinais disso era seu silêncio. Comecei a circundá-la – É estranho que uma mortal seja amiga de duas feéricas... – continuei – Humanos não costumam morrer de medo de nós? E você não deveria, aliás, ficar do seu lado da muralha? – parei de circundar a fêmea cujo nome ainda não sabia e esperei por sua resposta.

- Eu as conheço de minha vida inteira. Jamais tive nada a temer delas. – a desconhecida mentiu novamente. Aquele era o Calanmai mais engraçado que eu já vivenciara. Parei então entre a estranha e a fogueira.

- No entanto, trouxeram você para o Grande Rito e a abandonaram.

- Elas foram buscar bebidas – ela falou convincente e abri um largo sorriso. Pega no flagra.

Os pensamentos dela a meu respeito eram os mesmos que rodeavam a cabeça de fêmeas feéricas, mas, de alguma forma, me senti diferente.

- Creio que ainda falta muito tempo para a hora das bebidas – o sorriso continuava em meu rosto e me aproximei mais um passo curto – Pode levar algum tempo para que elas voltem. Posso acompanha-la par algum lugar enquanto isso? – tirei então uma das mãos do bolso e lhe ofereci o braço, me virando de lado e esperando que ela o pegasse.

- Não – ela respondeu direta, mas enrolada. Indiquei então a depressão e os tambores, que ainda tamborilavam, com as mãos.

- Aproveite o Rito, então. Tente ficar longe de problemas. – fiquei andando olhando a fogueira ficar mais e mais alta. Esperei que a agora semiconhecida se afastasse também, mas ela tinha dúvidas demais para perder a oportunidade de tirá-las agora.

- Então você não faz parte da Corte Primaveril? – ela perguntou e eu me voltei para ela, lançando um sorriso preguiçoso.

- Pareço ser da Corte Primaveril? – respondi e suas crenças sobre como os feéricos eram me obrigaram a rir – Não, não sou parte da nobre Corte Primaveril. E sou feliz por isso. – disse com ironia e depois apontei para meu rosto, indicando o lugar onde uma máscara deveria estar. A risada sumiu pois um lapso de Amarantha surgiu em minha mente. As máscaras, a maldição que infligira a Prythian...

- Por que está aqui então?

- Porque todos os monstros foram libertados de suas jaulas esta noite, não importam a que país pertençam. Então, posso perambular por onde quiser até o alvorecer. – falei à ela, sem rodeios.

- Aproveite o Rito. – ela repetiu as mesmas palavras que eu disse com indiferença.

A desconhecida então saiu correndo em meio ao vale e se perdendo na multidão. A acompanhei com os olhos até onde consegui, então ela se perdeu de minha vista. Tinha algo de familiar naquela completa e burra estranha. Eu só não sabia dizer o quê.

~/~/~/~

PS: Olá. Vejo os comentários no capítulo sempre que posso, e sempre vejo gente falando que o Rhys já sabia sobre a ligação e vim me explicar o motivo de estar diferente. Eu escrevo a fanfic com os capítulos 54 e 55 de Corte de Névoa e Fúria ao lado + a cena que estou escrevendo, só que nesse dia, mesmo depois de ter revisado o capítulo umas quatro vezes, eu não me atentei a esse erro. Quando vi já era tarde demais pra alterar. Peço perdão e pra que relevem, afinal ainda é uma fanfic e não é nada oficial. Beijo e obrigada pra quem salientou o erro pra que eu pudesse me explicar. 

A Court of a Dark PrinceOnde histórias criam vida. Descubra agora