Nove

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Eu ainda não acredito nisso. Puta que pariu, vai ser azarada assim lá no quinto dos infernos.

Encaro a parede do meu quarto no apartamento de Gabi e Kernos, até que a parede começa a ficar desfocada e eu estou vendo manchas onde não tem nenhuma. Eu pensei em várias formas como isso podia dar errado, de verdade. Me preparei para sei lá quantas possibilidades. O pessoal da APLA não me chama de pessimista à toa, mas a verdade é que só prefiro estar preparada para qualquer coisa que acontecer. Mas eu nunca - nunca - imaginei essa possibilidade.

Uma investigação no Acordo. Pior, uma investigação que eu sei que Gabi está mexendo quando tem tempo e que em quatro anos não descobriu mais nada. Não, espera, isso não é o pior. O pior é saber que isso é um assunto delicado, que tenho certeza que muita gente prefere abafar, e que é justamente por isso que me deram essa missão. Estão esperando que eu falhe. Se bobear, estão torcendo para eu morrer. Assim ficam livres dessa confusão toda. Se depois que eu desaparecer, na melhor das hipóteses, Kernos e sei lá quem mais está do nosso lado nisso conseguirem obrigar o Conselho a chamar outro representante da APLA, tudo vai se repetir. Ou vai dar merda de vez, porque eu sei que sou a mais preparada. E, numa situação dessas, sei que sou uma das poucas que não aceitaria ser manipulada.

Puta merda, que caralho, como é que eu vou fazer isso? E eu que achava que ter que trabalhar com um drilliano e ter Lucas como observador já era azar demais. Murphy, eu sei que você me ama, mas pode dar um pouco de sossego, para variar.

Alguma coisa apita. Passo as mãos no rosto antes de olhar para os lados. Ah. A porta. Gabi me explicou isso antes: até as portas internas, se estiverem fechadas, têm um tipo de "campainha" embutida. Estico o braço e aperto a mancha na parede perto da cabeceira da cama. Um painel se abre e aperto um dos controles. A imagem de Ei'ri aparece.

— O que foi? — Pergunto.

Ele passa uma mão pelo cabelo.

— Não foi só você que o Conselho colocou na linha de tiro. Precisamos conversar e decidir o que vamos fazer.

E tem mais essa. Respiro fundo. Ele está certo. Tanto ele, como consultor, quanto Lucas, como observador, estão tão ferrados quanto eu. Querendo ou não, a reputação deles está ligada ao resultado disso tudo. Merda. Ia ser melhor se eu estivesse sozinha.

— Podemos conversar aqui? — Ele continua.

Aqui, no meu quarto? Se o "nós" dele inclui Lucas, não mesmo. Não quero ele dentro de nenhum espaço que seja meu, mesmo que temporariamente.

Balanço a cabeça.

— Gabi ainda está na sala?

— Ela e Kernos estavam subindo quando passei por lá.

Ótimo. Gabi estava tão puta depois da reunião do Conselho que não falei nem meia palavra perto dela no caminho de volta para cá e vim direto para o quarto. Nós duas juntas, com ela puta de raiva e eu do jeito que estou não ia dar em nada que preste. Ou seja, melhor eu já ficar na minha.

— Na sala, então. Já estou indo.

Ei'ri assente e se afasta da porta. A imagem desaparece. Espero que ele esteja indo chamar Lucas, porque eu não vou fazer isso. Ou melhor, espero que não chame. Não preciso dele por perto.

Merda. Preciso me conformar a trabalhar com ele. Ei'ri é mais fácil - ele pode ser um drilliano, mas não me deu nenhum motivo palpável para desconfiar dele. Quer dizer, além de ser um drilliano. Agora, aceitar trabalhar com Lucas? Caralho, que merda. Essa é a única reação que consigo ter. Mas vou ter que dar um jeito, porque é a única opção.

Vertan (Filhos do Acordo 5) - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora