Oi prazer, sou Letícia

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- Moço para onde vai esse ônibus? - Pergunto ao cobrador, com visível cara aterrorizada.
-Esse ônibus está indo sua última viagem para o Terminal Santo Amaro. Você está bem moça?

- Estou, estou sim. É que fui assaltada e levaram minha bolsa com tudo dentro, estou sem Bilhete Único e sem dinheiro para passagem. - Falo com a voz extremamente traumatizada, como de fato tivesse sido assaltada. Porém, pior quase morro.

Não paro de visualizar na minha mente aquele carro preto capotando, rolando como se fosse um dado jogado. Mds tomara que os caras que estevam naquele carro estejam bem, não suportaria saber que matei alguém, nem em legítima defesa.
- Tudo bem, moça. Você pode ficar aí e descer pela porta da frente.

Agradeço e me sento em uma das poltrona preferenciais, que naquela altura eu nem tava ligando se era preferenciais ou não, eu só queria me sentar. Na verdade, o que queria era está em casa, deitada na minha cama e lendo pela 4° vez Porto Seguro, tomando um chocolate quente.

Não sabia onde eu tava, na verdade olhava para fora da janela pra vê se via algo conhecido que identificasse onde estava, mas não via nada. Tava escuro, e meus olhos olhava num espaço vazio, tudo que eu pensava era:
"Mds era pra eu tá morta agora...morta...morta, aos 22 anos e usando um shortinho biscatível."

No momento que vi o carro chegando cada vez mais perto, toda minha vida passou pela minha cabeça e um pensamento me veio como uma flecha naquele momento, "mds será que eu deixei o meu Facebook aberto no notebook😱", agora esse pensamento me fez esboçar um sorriso meia boca, mas naquele momento foi uma preocupação genuína.

Fito meus olhos em uma placa, consigo ler, "Av. Celso Garcia", meu coração acelera...pow eu to no Brás? Calaio to longe de casa pra burro. Ainda bem que hoje é sexta e amanhã é sábado não trabalho. E ja se passou da 00h00 da noite, hoje já é sábado. Vou com a mão no bolso traseiro, pra pegar meu celular...graças ele ainda está aqui. Está com a bateria 5%, vejo a hora, 04h10, e percebo que tem umas trocentas ligação perdida de um número desconhecido. Imagino que seja do Carlos, ainda não tinha salvo o número que ele passou no Tinder. Mds, iria morrer junto com um cara que nem tenho o número dele salvo. Que morte de merda.


O ônibus para, umas pessoas desce outras 2 sobe. Contando comigo e com as 2 pessoas que subiram tem 3 passageiro no ônibus. E só eu de mulher, começo a temer isso. Logo me vem aquelas paranóias que só nós mulheres tem quando estamos sozinha em um ônibus ou qualquer lugar que só tem a gente de mulher. O medo de ser estuprada gela a minha espinha. Afinal para muitos homens escroto se a mina está sozinha em um ambiente ermo de shortinho com uma blusinha mostrando a barriga, ela está se oferecendo, nojo desse pensamento machista. Me arrependo de ter deixado a arma lá no carro, se eu ainda estivesse com ela eu estava mais segura, pelo menos se um desses mal-encarados quisesse me fazer algum mal dava um tiro nele, mesmo que morresse de remorso por ter matado uma pessoa.


O ônibus para mais uma vez, um dos homens que subiu desce, graça a Deus, outro 3 homens sobe, ...merda...dei graça a Deus cedo de mais. Um dos homens não passou a catraca, ficou na frente, isso me deixou apreensiva, quase aperto o botão de parada, mas me contenho.. se eu fizer isso estou completamente fudida, ele pode descer junto comigo e também ainda não faço ideia onde eu esteja. Resolvo permanecer no ônibus, mesmo sob constante olhada do cara que não passou a catraca, ele me olha como se eu fosse um belo pedaço de carne exposta numa vitrine de açougue. Sinto nojo dele. Mas não desço, sei que ele não tentará nada contra mim ali no ônibus à vista de todos. Tenho em mente que assim que eu chegar no terminal posso pegar o ônibus que passa praticamente na minha porta. O medo me invade novamente, será que ele vai me seguir até em casa...to fudida se isso acontecer. Quando chegar no terminal eu não pegarei imediatamente o meu ônibus pra casa, é melhor ficar no terminal até ele embora, tá decido, farei isso, sinto um alívio chegando.

Consulto a hora no celular, 3% a bateria está já quase no fim..mas consigo vê a hora 04h50. Olho pela janela ainda muito escuro. Penso como deve está o Carlos, percebo que fui muito temerária em ter abandonado-o, não pensei direito e nem nos perigos que é está sozinha numa rua deserta de uma cidade grande e principalmente vestida como se fosse fazer um programa. Escapei duma morte provável, para cair numa morte certa na rua. Na verdade a morte pelo bandido era quase certa, se eu tivesse errado o tiro, do jeito que eles já estavam perto, era questão de segundos deles parelharem o carro e metralhar a porra toda. Mas mesmo essa morte seria menos cruel do que ser estuprada e provavelmente morta por algum maníaco da madrugada. Tive uma dupla sorte, primeiro ter acertado o tiro que salvou minha vida e a do carlos, e depois ter pego esse ônibus logo em seguida.

O ônibus para, 2 passageiro que estão lá nos fundo desce, sobe uma mulher. Meu coração chega acelera de alívio, afinal eu não estou mais sozinha num ônibus apenas com homens, tenho mais uma mulher, obrigado Deus. ela parece ter uns 30 e poucos anos, é morena, tem um cabelo tão lindos que me dá inveja, bem cacheados. Ela passa e olha para mim, eu olho para ela com um olhar meio que aflito. Ela entende meu pedido de socorro silencioso e senta junto a mim.

- Oi me chamo Vanessa, poderia me dizer onde estamos, é que dormi um pouco e acordei desorientada. - Falo impregnando uma voz mais suave, mais tranquila que possa fazer no momento.
- Oi prazer Vanessa, sou Letícia. Estamos entrando agora na Av. Das Nações, você está indo pra onde?-
Graça a Deus estou quase em casa, dentro de no máximo 20 min já estarei no Terminal Santo Amaro. E logo logo toda essa agonia passará.
- Prazer, Letícia, estou indo pro Terminal Santo Amaro, de lá pego um ônibus até minha casa.
- Bacana, eu também estou indo pro terminal de lá pego um ônibus sentido Interlagos, trabalho numa casa de família para aquelas bandas.
- Legal, faz sempre esse trajeto a esse horário?
- Sempre todos os dias, exceto aos domingos, não trabalho dia de domingo.

Depois dessa a viagem foi mais tranquila. Não contei nada do que me aconteceu e do medo que senti estando sozinha no ônibus cheio de homens e ainda por cima usando roupas tão curtas. A conversa transcorreu bem, ela é muito inteligente e tem ótimo papo. Falamos de tudo um pouco, ela me ensinou a fazer tantas coisas, que se eu tivesse como escrever cada receita que ela estava dizendo, daria adeus à lasanha de microondas kkk.

O ônibus para, ela se levanta, vejo que chegamos ao terminal, já está claro. Pergunto a ela a hora, 05h10, ela diz sorrindo. Os primeiros raios de Sol começam a cortar o horizonte. Ela me dá um beijo e sai apressada pra pegar seu ônibus. Ela caminha com certa pressa. Realmente o que é lento aqui nessa cidade é só o trânsito kkk e devido a isso as pessoas estão sempre apressadas.

Não vejo sinal do homem que estava me encarando, talvez ele desceu e nem percebi. Vejo meu ônibus, corro entro e suspiro..enfim...salva.

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