Beatriz

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As vezes eu me pego desejando poder continuar num só corpo por mais tempo, e em outras eu simplesmente não faço muita questão. Eu tento sempre além de não interferir mais que o necessário na vida dos corpos que hábito, me manter firme e não me apegar a eles.
Até hoje, apesar de ser muito dificil eu tenho conseguido, mas o problema maior as vezes é não se apegar a terceiros, pessoas que convivem com você por apenas 24 horas e não sabem quem realmente você é, mas que mesmo assim te fazem sentir vivo e importante nesse mundo.

Jundiaí, SP

Acordo às 5:30 da manhã, não com despertador tocando ou insônia, mas sim muito cansada ouvindo choros de bebê. Hoje estou no corpo de Beatriz, estudante de comunicação, atendente de telemarketing e mãe solteira de primeira viagem.
Essa não é a primeira vez que sou uma mãe e nem mesmo uma mãe solteira, mês passado eu fui uma mãe presidiária recebendo a primeira visita do filho de 5 meses do qual ele deu a luz ja na prisão. Eu tenho já uma certa experiência em cuidar de crianças e bebês de colo, sei na maioria das vezes identificar perfeitamente o que eles querem e precisam.
Vou até o berço e verifico a fralda da criança e logo vejo que precisa ser trocada, depois pego ele no colo e tento amamentar... mas não funciona como eu gostaria, não pela minha falta de habilidade com isso mas porque o bebê não aceita. Checo as memórias de Beatriz e vejo que em primeiro lugar o bebê se chama Enzo e ele ja ta usando a mamadeira. Vou pra cozinha, preparo a mamadeira do Enzo então volto, pego ele no colo outra vez e dou pra ele mamar. Depois de uns 10 minutos, ele toma tudo então volta a dormir, coloco ele lentamente e com muita calma no berço pra não acorda-lo outra vez, e então finalmente me deito novamente em minha cama. Quando Viro o rosto e fecho os olhos... o despertador dispara. São 6:00 e já tenho que levantar, não dar tempo mais para dormir, tenho que ir me arrumar pra levar o Enzo na casa da minha mãe e ir pro trabalho. Checo as memórias de Beatriz sobre a mãe e são na maioria só lembranças boas, ela sempre ajuda a filha no que pode, e todos os dias olha o enzo pra ela poder ir trabalhar e estudar. O pai morreu quando ela tinha 10 anos, num acidente de carro, era um ótimo pai e um excelente marido, deixou pra mulher e filha apenas uma casa, sua aposentadoria de agente sanitário da prefeitura de Jundiaí, e o carro completamente destruído do seu acidente.
Coloco o Enzo no banco detrás do carro sentado na caderinha de segurança, verifico e travo bem os cintos de proteção pra não ter nenhum perigo, vou pro banco detrás e antes de dar a partida no carro paro cinco segundos e cogito de devo ou não checar as memórias de Beatriz referente ao pai da criança. Penso um pouco e ao final acho que não é necessário. A Beatriz parece ser uma mulher totalmente independente e ciente do que é capaz, sinto a força e a disposição de seu corpo. Independentemente de quem fosse o pai dessa criança, ela nunca precisou dele pra nada, e vou respeitar a vontade e o direito dela em fazer isso.
Chego na casa de sua mãe, desço do carro vou até o banco detrás e tiro Enzo da cadeirinha de segurança.
- Bom dia, minha filha!
- Bom dia, mãe! como vai a senhora?
- eu estou bem querida, acabei de preparar um cafezinho você aceita?
- não mãe obrigado, tenho que ir pro trabalho, você sabe que se chego atrasada meu patrão me mata
- ok então filha, agora me dá essa coisinha linda da vovó aqui
Entrego Enzo pra ela e sinto como se estivesse entregando parte do meu corpo, sinto uma sensação de vazio por ter que ficar longe de Enzo quase o dia todo mas é necessário, sei que a mãe de Breatriz vai cuidar bem dele e então fico mais tranquila um pouco. Provavelmente todos dias são assim pra Beatriz.
- cuida bem dele tá mãe, as coisas deles estão tudo na mochila
- relaxa filha, eu já fui mãe também esqueceu? Kk eu e Enzo vamos tem um ótimo dia, não é Enzo?
O bebê sorri da careta da vó, toco no rostinho fofo dele e tento gravar aquele sorrisinho nas minhas próprias memórias.
- ok então mãe, meio dia eu volto tá?
- ok filha, bom trabalho!
Volto então pro carro, checo as memorias de Beatriz pra saber onde ela trabalha, ligo o carro e parto em direção a mais um dia de luta na vida de uma mãe trabalhadora.

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