Capítulo 2 - O Crime

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Os investigadores da Homicídios eram antenados 24 horas por dia. Gostavam do que faziam. Não que fossem 'melhores' do que os demais colegas de profissão; nada disso. O fato é que não estamos mais naqueles suaves anos de 1990.

Agora, o Brasil é nada menos do que o país campeão mundial de assassinatos, em números absolutos. São mais de 60 mil mortes por ano. Vergonha mundial. Vexame planetário.

Diante do caos, foi montada toda uma política nacional – ainda que 'no discurso' – com o foco na redução dos homicídios no país. A imagem negativa estava manchando ainda mais o nome da nação mundo afora, e os governos se viram forçados a fazerem alguma coisa.

Não se vê, por exemplo, publicação anual de estudos do tipo "Mapa da Droga no Brasil"; ou "Mapa dos Assaltos no Brasil". Porém, todos os anos o Ministério da Justiça, em parceria com alguns institutos, elabora e publica o Mapa da Violência no Brasil, baseado nas estatísticas de mortes violentas em todos os estados da federação.

Os números são estarrecedores. Superam o de muitos países em guerra, por exemplo. Esse quadro de violência extrema afeta a Economia do país, amedronta os turistas e turbina as críticas internacionais.

Por isso, as delegacias que investigam esse tipo de crime passaram a receber mais recursos (muito longe ainda do que deveriam obter) e a aparecer mais na mídia, despertando a admiração natural de quem está no outro lado da TV. Por outro lado, essa vitrine resulta, também, em mais cobranças em cima dos policiais.

Noite de um sábado qualquer. Rony e Lisboa estão de plantão e recebem, pelo rádio HT, a informação de que um homem foi assassinado a tiros num dos bairros de razoável incidência criminal. Eles entram na viatura e seguem com destino ao local do crime.

Lá, começam a coletar as primeiras informações sobre o caso, que, na verdade, não difere muito da maioria dos delitos homicidas na cidade. "Dois caras em uma moto se aproximaram e começaram a atirar. Depois fugiram", resumia um morador da localidade, sem querer entrar em mais detalhes.

A vítima – Sandoval, 43 anos – estava em frente de casa, sentado numa cadeira de balanço e curtindo um pouco o ar fresco das 20h30, depois de devorar dois pratos ferventes de sopa. Com o peso bem acima do recomendável à sua altura, talvez não tenha tido agilidade suficiente para se levantar do assento e fugir dos tiros. Morreu ali mesmo, cravado por 11 projéteis em seu corpo.

– Os pilantras vieram para matar mesmo. Já descarto qualquer possibilidade de assalto. O cara estava sem camisa, sem relógio, sem carteira... Só de bermuda e sandália. Você acha que um assaltante dá onze balaços num sujeito para não levar nada? – perguntava Lisboa a Rony.

– Claro que não. Isso é vingança mesmo de alguma treta.

– Ou crime encomendado...

Quando os policiais chegaram ao local do crime, a esposa de Sandoval, Margarete, estava sentada no sofá da sala, amparada por três amigas que moram vizinhas. Ela informou aos investigadores que não viu nada porque estava na casa dos pais, com a filha do casal, Elaine Cristina, de 20 anos. Elas receberam a informação do fato e vieram para casa. A menina ficou recebendo o apoio emocional na residência de uma amiga, na mesma rua.

Lisboa e Rony coletaram as informações que acharam necessárias e saíram à procura de imóveis da localidade que tivessem câmeras de segurança. A única que conseguiram encontrar na rua era de uma farmácia, na esquina, a cerca de 50 metros da casa de Sandoval.

As imagens, porém, não mostraram nenhuma dupla em moto circulando por lá, na hora do crime. Provavelmente, os assassinos fugiram no sentido contrário.

Ficou acertado com Margarete de ela comparecer à delegacia um dia após o sepultamento do marido (segunda-feira). Além dela, também foram intimados sua filha Cristina e alguns moradores da área.

Enquanto isso, a dupla de investigadores percorria os arredores do local do crime, em busca de imagens de câmeras e possíveis informações da vizinhança.

Nada data e hora combinadas, Margarete apareceu na delegacia, acompanhada dos três moradores listados no ofício de intimação da PC. Acometida por uma gripe muito forte, Cristina pediu, por intermédio da mãe, que seu depoimento ficasse para o dia seguinte. O delegado do caso, Moreira Braz, concordou prontamente.

Margarete era uma mulher de estatura mediana, 39 anos, e bonita. Casou-se com Sandoval muito nova, engravidando aos 19 anos. Cris, assim carinhosamente chamada, era a única filha do casal. Quando se apresentou na delegacia, a viúva exibiu um semblante cansado, provavelmente por causa da morte do esposo.

Além de sua beleza natural, outro fator não deixou de chamar a atenção de Lisboa, quando o veterano da investigação abriu a porta para a Margarete entrar: ela veio acompanhada de um advogado.

– Bom dia, dona Margarete. Pode entrar. Sente-se aqui, por favor.

– Obrigada.

Ela sentou de frente para o delegado Braz. Numa cadeira mais afastada, na diagonal, estava Lisboa, posição que sempre gostava de ficar, enquanto que Rony se mantinha de pé, próximo à porta, ao lado do advogado. O delegado repetia praticamente as mesmas perguntas feitas pelos investigadores dois dias antes, no local do crime. Era preciso botar no papel – ou seja, oficializar – tudo o que ela havia dito em sua casa aos policiais.

Foram quase 40 minutos de conversa. Durante todo esse tempo, Lisboa permaneceu sentado, calado, com o olhar vagueando entre a depoente e seu advogado. Vez por outra, olhava para Rony e alisava o cavanhaque metade grisalho que passava uns três centímetros além do queixo.

No final do depoimento, quando a viúva saiu da sala, Lisboa fez uma pergunta a Rony, meio que 'testando' o novato da Homicídios:

– Parceiro, se alguém da tua família fosse assassinado e tu fosse intimado para depor, tu traria logo um advogado pra acompanhar o teu depoimento na delegacia?

– Lá vem Lisboa com suas teorias da conspiração – interrompeu Braz, antes que Rony se manifestasse.

– Rapaz... É complicado... – disse Rony, sem saber o que responder.

– É... É complicado... – repetiu Lisboa, puxando as pontas do cavanhaque.

De forma resumida, o depoimento de Margarete narrou tudo o que havia sido dito aos investigadores, no dia do crime. Mas uma pergunta que não foi feita por Lisboa e Rony – devido às circunstâncias daquele momento – arrancou respostas importantes para a investigação, na visão do policial veterano:

– A senhora era maltratada pelo seu marido? Pode dizer, não precisa ficar com vergonha, não.

Margarete comprimiu os lábios e olhou rapidamente para o advogado, desviando o olhar em direção ao chão, antes de responder:

– Olha, doutor... Ele era um homem muito ciumento. Não deixava eu trabalhar. Para ele, eu tinha que viver dentro de casa. Até para eu visitar meus pais era um sacrifício. No dia-a-dia, até que não era violento não. Mas quando bebia, me agredia por qualquer coisa. Era assim sempre – relatou, limpando as lágrimas.

Depois de Margarete, foi a vez de os três vizinhos dela serem ouvidos pela equipe de investigação. Um de cada vez. No geral, deram informações rasas do casal. Disseram não ter conhecimento de envolvimento de Sandoval com drogas nem em outras ações criminosas. Consideravam-no um vizinho bom. Mas pelo menos um dos depoentes confirmou a relação conflituosa do casal:

– Tinha dia que dava para ouvir os gritos lá de casa, doutor.

Concluídos os depoimentos, Lisboa e Rony foram para casa almoçar. À tarde, fariam novas diligências nas redondezas do local do crime, conversariam com mais pessoas da área e, se preciso fosse, intimariam outros moradores. No dia seguinte, conforme combinado, seria a vez de Elaine Cristina comparecer à delegacia. 

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