Um dia inesquecível

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"Já era tarde quando ela finalmente bateu na porta, estava quase uma hora atrasada e sem dar sinal de vida, mas pelo menos chegou. Me levantei do sofá deixando a televisão sozinha em alguma série aleatória que fiquei assistindo enquanto esperava. Fui lentamente até a porta me deliciando com a impaciência nas batidas e finalmente a abri. Rose estava lá, linda como eu esperava, usando o vestido tomara que caia vermelho que eu havia dado a ela a algumas semanas e por cima dele seus longos cabelos ruivos. Olhei para o fundo de seus olhos verdes e me aproximei até selar seus lábios com os meus, o batom dela tinha um sabor característico, algo doce com um leve frescor, que ela sabia que eu gostava.
 Era noite do dia dos namorados, não tínhamos muito tempo para marcar de ir para lugares diferentes e nem dinheiro para lugares caros, então eu resolvi preparar algo especial na minha casa, algo que ela nunca iria esquecer, nenhum de nós iria. Fomos até a sala, caminhando abraçados enquanto ela falava alguma coisa sobre a amiga dela ter feito besteira no trabalho e quase ter sido demitida. Não, eu não me importava com aquilo, na verdade nem sei se era realmente disso que ela falava, nos meus ouvidos só chegava o som de seus lábios se tocando, úmidos e macios, e meus olhos se perdiam no desenho de seus seios.
 Deixei ela na sala procurando algum programa legal na TV enquanto eu fui pra cozinha terminar de fazer a comida, eu poderia ser um ogro em muitas coisas, mas uma de minhas especialidades era a de fazer um delicioso macarrão com molho branco que ficava muito bom com algumas dessas folhas que nunca aprendi o nome. Rose dizia ser engraçado imaginar um cara grande e mau encarado como eu com uma faquinha cortando cebolinhas, mas ela dizia isso sem nem imaginar o quão bom eu posso ser com uma faca, se bem que eu preferia cumprir os trabalhos com minhas próprias mãos.
 Estava pronto, arrumei a mesa da sala de jantar, forrei com um pano branco, com os pratos um de frente para o outro com taças ao lado e no centro algumas velas e uma garrafa de vinho que um amigo me conseguiu. Minha garota ficou surpresa com toda a elegância da noite, puxei a cadeira para ela se sentar, como um digno cavalheiro que eu não era. Me sentei e fintei seus olhos gratos mais uma vez imaginando que ela acreditava que isso seria tudo.
 Ficamos bastante tempo sentados lá comendo, bebendo e conversando, a comida estava boa e o vinho era doce, porém bastante forte, o suficiente pra fazer Rose começar a rir um pouco mais do que de costume. Ela nunca aguentou beber, poucos goles em qualquer tipo de álcool já deixam ela balançada embora comigo, bom, desde novo que eu apostava quem bebia mais com meus amigos. A vela dava um brilho especial a seus cabelos, e seus olhos, ah, seus olhos, eram neles que eu estava focado, eles iriam me dizer o que eu queria, cada pergunta que eu fazia observava friamente seus olhos, para qual lado olhavam, a velocidade em que se mexiam, o brilho, eu queria ouvir ela dizendo o que eu esperava ouvir. Depois de comermos a sobremesa, um pudim que ela mesma havia me ensinado a fazer, finalmente ficamos satisfeitos, e continuamos lá apenas com o vinho até terminar a garrafa. O ponto alto foi quando ela botou a sua pequena mão sobre a minha olhou pra mim sorrindo e disse que me amava. Ela se levantou da cadeira e veio até mim pedindo que eu me fastasse um pouco da mesa, sentou-se no meu colo e ficou me olhando sorrindo, "o que espera fazer comigo me embebedando assim?", perguntou ela. "Nada, vai que você tem algum segredo oculto e você só fala quando está bêbada". A brincadeira fez ela gargalhar alto e eu pra não deixá-la sozinha também sorri, muito mais moderado. Virei com o dedo o rosto dela e lhe dei um beijo no pescoço a fazendo dar uma leve tremida, minha mão desceu para sua coxa e a alisei delicadamente. Sentia sua pele quente e alguns fracos gemidos perdidos em risadas me diziam que eu estava no caminho certo. Nos beijamos mais intensamente enquanto minha mão ia cada vez mais por debaixo de seu vestido, até que ela me segurou, se levantou apalpando sutilmente minhas partes e com um andar sensual me chamou para o quarto.
 Vadia!
 Provavelmente aquela seria a última parte daquela noite. O ponto em que eu faria aquela noite inesquecível. Como o último ato de uma peça grotesca, minhas mão, meu corpo, estava se preparando para a cena final. Sorri, quase com pena, em uma parcela do meu coração eu ainda pensava temeroso se esse seria o caminho certo, se me deixar levar pelas minhas emoções mais uma vez seria o ideal para terminar uma noite daquelas. Sim, ela fez por merecer, ela estava pedindo por isso e eu a faria sentir do que eu sou capaz.
 Me levantei depois de devagar em silêncio, segui pelo corredor com meus músculos tensos e punhos fechados, a única luz que iluminava era a do abajur ao lado da minha cama. Chegando no quarto, ela estava lá, deitada na cama, um pedaço da própria luxúria deitada na minha cama esperando para ser consumida, como se esse fosse o único pecado que eu carregaria comigo naquela noite. Me aproximei e com um pulo ela voou em cima de mim envolvendo minha cintura com suas pernas e meu pescoço com os braços, nos beijamos intensamente, minha mão alternava apertando com força sua bunda ou dançando por seu corpo. Com um puxão forte, rasguei a parte de cima do vestido, deixando seus seios a mostra, caiu novamente na cama e me chamou para chupá-los. Eu tirei minha camisa exibindo meu corpo e terminei de tirar o vestido rasgado, deixando ela apenas com uma calcinha preta muito pequena. Me deitei por cima de seu corpo, fazendo nossos órgãos se tocarem por cima da roupa, apalpei um de seus seios enquanto passei lentamente a língua no outro, fazendo ela gemer baixinho.
 Eu quase me deixei esquecer o porquê daquilo tudo, o prazer era intenso, o toque de sua pele macia ainda era uma das coisas que eu mais gostava, mas não muda a verdade, não muda o fato de que ela não ter me dito ainda o que eu queria, mas já estava mais do que na hora. Saí de cima dela e me deitei do lado, ela tentou ir pra cima de mim, mas em um solavanco eu fiz ela voltar pra mesma posição. Segurei forte na cintura dela e ela entendeu que era pra se manter do jeito que estava. Subi  mão até seu rosto e a acariciei com carinho, fiz um desenho invisível em seu rosto com a ponta do meu dedo e terminei com um peteleco no nariz. "Eu te amo", ela repetiu e eu finalmente perguntei sobre qual seria o segredo que ela mais teria medo de contar. Rose brincou, falou uma coisa, falou outra e desviou, ela é esperta, mas eu a pressionei, perguntei de novo e mais uma vez ela desviou, tentando se virar e terminar de abrir o zíper da minha calça. Segurei em seu pulso com força e de um jeito frio perguntei pela última vez. Ela me olhou, com um pequeno ar de dúvida, tentando entender o porquê desse questionário. Seus olhos perderam o brilho apaixonado por um instante um maldito instante em que eu senti que ela iria manter-se firme ao dizer que não, não tinha segredo.
 Eu ri.
 Eu gargalhei.
 Percebi ela rindo junto, meio sem jeito.
 Vadia.
 Puta.
 Ela achava que eu não sabia. Ela achava que eu não ia descobrir. Achava que eu não tinha visto.
 Fazia um tempo que eu percebia algumas mudanças na Rose. Ela estava diferente, não sei explicar em que, mas eu sentia isso. Por vezes ela chegava perto de mim, e nela eu conseguia sentir um leve cheiro diferente de perfume, um perfume masculino, e junto desse perfume encrustado em suas roupas estava o aroma conhecido e repugnante do sexo. Mas não era comigo, não, eu saberia muito bem se aquele cheiro podre tivesse sido conquistado comigo. A alguns dias atrás eu me escondi em um praça perto do trabalho dela, onde eu estava próximo o suficiente para observar quem entrava e quem saía e longe o suficiente para me misturar com as pessoas e não ser notado. Fiquei lá desde que ela havia chegado. Senti sono por muitas vezes, mas a espera pareceu me recompensar, pois a vi saindo pelo menos 3 horas mais cedo, afobada e olhando para os lados vendo como se estivesse procurando alguém. A segui por algumas esquinas quando uma visão me gelou o sangue. Ela acabara de se encontrar com um homem que eu nunca havia visto ou ouvido falar, e eles se beijaram ali mesmo. Descuidada. A minha vontade foi de ir lá e esmurrar os dois ali mesmo, mas pela primeira vez na minha vida consegui me controlar. Eles andaram um do lado do outro e seguiram até o primeiro motel que encontraram. A cretina não tinha ao menos a decência de foder com outro em um lugar melhor, ela me trai no primeiro beira de estrada que aparece. Meus punhos já doíam de tanto que eu os apertava, meus dentes rangiam com um ódio inominável. Ela iria pagar. Ou ela assumia ou iria pagar.
 Dei a ela até o dia dos namorados para assumir seu erro, joguei várias indiretas e não consegui nada daquela maldita. Ela atuava muito bem, mas ela não sabia que eu também sabia jogar esse jogo de máscaras. Desde aquele dia eu venho sendo a melhor pessoa do mundo, escondendo esse desejo de sangue no meu peito. Sentindo meu corpo arder de ódio a cada beijo que damos. Eu planejaria o dia dos namorados. Nele ela teria sua última chance de dizer a verdade, seja sóbria ou sob efeito do vinho. Desde que ela estava parada na porta, até as perguntas inconvenientes no jantar, todas foram chances para ela contar, e ela preferiu não. Agora estamos aqui. Eu rindo, de raiva, de tristeza, de desapontamento. Vendo essa cretina de peitos de fora me olhando apavorada, já entendendo tudo.
 Ela gaguejou tentando se explicar, começou a soluçar iniciando um choro tosco que eu já não me importava. Botei o dedo em seus lábios e pedi silêncio. Eu não queria ouvir nada, o que foi feito já foi feito e não poderia se consertar. Acariciei seu rosto com minhas mãos calejadas, e pedi para que ela não chorasse, a noite já iria acabar. Me aproximei e a beijei mais uma vez. Minha mão desceu lentamente e enfim envolveu o seu frágil pescoço. Ela havia cometido um erro, um erro grave, com quem ela sabia que não deveria cometer. Já passamos por muita coisa, ela me conheceu quando eu tinha problemas e ela sabia como eu resolvia esses problemas. Ela sabia como eu era, como eu agia quando estava com raiva, sabia que para voltar ao o que eu era antes de a conhecer era uma linha muito fina, uma linha que separava o amor que eu sentia por ela e a mais violenta e bárbara loucura que pode tomar um ser humano possesso de ódio.
 Suas pernas se debateram, suas mãos arranhavam meus braços e meu rosto. De sua boca saíam pequenas e falhas sílabas que em minha cabeça, compreendi como um pedido de perdão. Mas meu corpo não parava, eu já não tinha mais controle sobre ele. Agora, montado em cima de Rose, em uma perfeita posição dominante, eu conseguia ver a vida deixando pouco a pouco seus olhos verdes. Conseguia sentir sua respiração ficando cada vez mais fraca e seu corpo se mexer cada vez mais lento. Aumentei a pressão em seu pescoço e pude sentir um fraco estalo em sua traqueia. Seu último toque foi em meu rosto e ainda olhando para meus olhos vi o brilho se apagar, sua mão caiu mole na cama. Eu acabara de matar a mulher que um dia amei.
 Quando a fúria me deixou eu compreendi o que tinha acabado de fazer. Um pedaço da própria luxúria deitada na minha cama, sem vida. Respirei fundo. Peguei o telefone e liguei para a polícia, em breve eles viriam o que eu havia feito. Minha culpa. Meu pecado. Fui até a última gaveta do meu guarda roupas e peguei a arma que eu deixava guardada. Uma única bala era o que eu tinha, acho que serviria. Da sala eu trouxe comigo uma cadeira, deixei bem em frente à cama, mirando o corpo inerte, despido e pálido de Rose, e com um lençol eu o cobri, não queria que eles a vissem do jeito que estava. Me sentei e com a arma na mão esperei alguns minutos até ver pela janela a luz das viaturas de polícia chegando. Respirei mais uma vez, parando pra pensar agora, que grande merda que eu tinha feito. Rose sempre dizia que era pra eu aprender a controlar minha raiva. Que um dia eu iria acabar matando alguém. Engatilhei a arma, rindo com essa ironia. Ela foi a única pessoa que eu amei, que me traiu, mas sequer me dei ao trabalho de ouvir seus motivos. Será que eu era realmente uma boa pessoa pra ela? Será que eu a satisfazia? Por que ela teria feito isso? Eu nunca vou saber.
 Ouvi a porta da frente sendo arrombada, gritos e passos
apressadas tomaram conta da casa. Olhei para o corpo da linda ruiva de olhos verdes deitado na cama e me permiti sorrir. Talvez nos encontremos no inferno algum dia. Encostei a arma na minha cabeça e antes de os policiais conseguirem entrar no quarto ouviram o estampido da minha arma sendo disparada. Eu não aguentaria os anos na prisão guardando a culpa de ter matado essa mulher então preferi encerrar o dia dos namorados por aqui mesmo.
 Como eu havia dito, uma noite inesquecível."

Sussurro Dos MortosOnde histórias criam vida. Descubra agora