Capítulo I - Sem Chão

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Era quarta-feira de março e nada mais. Quando a aurora cruzou o tempo, fazendo cair sono para os mortais, uma felicidade estranha fez brotar sorrisos em rostos pálidos num encontro de almas opacas, vítimas notívagas... Jovens. Ah! Eles aglomeravam-se aos montes nos corredores e saletas e aquela casa metida num subúrbio enchia-se mais e mais.

E havia movimento na porta; entravam e saíam dos cômodos como que em um frenesi. Um bando de estereotipados chegou e outro de garotos chapados foi-se embora. A decoração da festa era como um clichê, totalmente entediante. O brilho das luzes de néon refletia um vazio que todos buscavam esquecer, mas estava ali, latejando como sempre. Sem dar a mínima, jovens casais extrapolavam naquela pequena sala, cercados por dezenas de desconhecidos. O amor os prometera uma juventude eterna.

Sucedendo-se o surgir de uma moça jovem formosa aos olhos; tinha esmeraldas em seu olhar e sua pele era como cobre, tinha corpo longínquo e cabelo castanho mui volumoso. E logo que entrou, o que trajava foi hipnótico a todos. Todavia, seu olhar era mórbido, tétrico pois ela era nobre aos outros e fraca a si mesma. O lugar inescrupuloso fazia jus à reputação dos miseráveis, um festim, um verdadeiro templo de hipocrisia! Caindo sobre o sofá fedorento, a jovem, que tinha nome e era Gênesis, ingere um pouco mais de cerveja.

Quando uma nova música soou, Gênesis dirigiu-se sobre a multidão fazendo movimentos leves com seu corpo, intensificando-os para acompanhar o rápido ritmo eletrônico da música, seus pés descalços deixam o chão vez ou outra. Os cabelos estavam desgrenhados e um tênue sorriso brincava no canto de seus lábios. Gênesis finalmente entregou seu corpo à noite e assim ele fez; o movimento da garota era agitado e sensual, similar aos das batidas. Ela vivia pelo que era, apenas por quem era.

Ouvindo um grito desesperado, a jovem olhou ao seu redor. Avistou Emma, uma amiga que estava indo em direção a ela.

—Oi, Emma. O que houve?

—Seu irmão, Christian, me ligou. Ele pede para que você vá ao hospital, agora.

—Porquê?

—Eu não sei. –A garota ruiva replicou. —Christian está preocupado demais com você. Vá logo! –Gênesis anuí com a cabeça, joga sua jaqueta preta sobre os ombros e sai desesperadamente dali.

▪ ▪ ▪

As ruas do subúrbio eram sujas e vazias, uma paisagem arruinada entre o caos e o abandono, uma figuração bem retratada de Gênesis naquele instante. Magoada, pensara apenas nas coisas apavorantes que poderiam ter acontecido. Seu coração não estava inteiro, havia se partido em mil estilhaços. Uma dor apertava-lhe o peito e tirava-lhe o fôlego, porém o seu lado forte se opunha contra si mesma, e não permitia que as lágrimas manchassem seus olhos verdes. Surgia dentro dela, um turbilhão incontrolável. Rezava aos céus para que não desabasse ali. Parou em frente à uma cafeteria, contorceu os joelhos e apoiou as mãos sobre eles, percebendo que a jornada até o hospital já estava no fim. O suor escorria lentamente da testa, enquanto sua respiração estava ofegante o coração batia freneticamente em seu peito entoando um barulhinho inaudível aos ouvidos de outras pessoas, mas não o dela. Ela ergueu-se novamente e continuou a vagar perante a longa noite. Ela foi-se embora, acompanhada por suas dores e o vazio da madrugada. Cruzou a rua e chegou à frente do hospital assim que seus pés tocaram o chão, as portas se abriram diante dela. Avançou até a frente do balcão de informações aonde reconheceu Jaliyah, uma enfermeira de aspecto árabe amiga do irmão.

—Jenny, você já sabe o que aconteceu?

Quando Jaliyah proferiu aquela pergunta, algo dentro de si desabou. Um sentimento antigo que crescia dentro dela e a devorava.

—Não.... Eu não sei de nada. Christian está bem?

—Vem cá, te levarei até seu irmão.

▪ ▪ ▪

Elas adentraram uma sala meio vazia, meio escura. Era uma situação de grande estranheza, havia caos lá fora... Porquê? Uma coisa muito ruim acontecera, uma coisa que levou as esperanças de Gênesis para longe. A janela transmitia a imagem de um amanhã próximo, o sol estava chegando. Quando a porta foi aberta, Christian brotou ali, como um antigo guerreiro medieval que nada temia certificando a garotinha de que o seu irmão poderia livrá-la de todo o mal. Um sorriso meticuloso estava enfiado em seu rosto da mesma maneira que ele, um cardiologista, estava metido por debaixo de um branco e longo jaleco.

—O que aconteceu com seu cabelo? –Ao proferir, Christian pôde ouvir uma risada da irmã.

—Eu literalmente saí correndo até chegar aqui. –Ela respondeu.

—Estou feliz por isso. –Disse ele, com um sorriso de canto.

—O que aconteceu? Posso lidar com isso, sou quase uma adulta.

E então, Christian falou:

—Lembra de quando caí da árvore do quintal e quebrei o braço? Você entrou no meu quarto, deitou junto comigo e disse: "Ei Chris, não quero que se sinta sozinho, então vou ficar aqui com você. Até a sua dor passar. "

As palavras soadas chegaram ao íntimo da garota, uma sensação de medo fez o seu coração palpitar freneticamente, ela sentia o suor escorrendo por suas mãos até a fluorescência tão chamada de esperança vazar de seu corpo. Agora, tudo o que havia dentro dela era medo.

—O que aconteceu? –Gênesis indagou com um grande pesar.

—Algo gerou um incêndio... mamãe está morta.

Entre sussurros e gritos seu coração sangrava. O destino cantarolava uma canção de desespero e somente Gênesis ouvia. Aquela voz aguda sussurrava em seus ouvidos: "Eis aí o fim de tudo e de todos os homens! A morte nada espera, nada teme; vem com sossego e calmaria. Percorrendo cada traço de um corpo até que vossos olhos estejam fechados e que tu digas uma última vez: eu vivi! "

Um longo suspirou depois, a moça jovem responde:

—Eu quero ir para casa. Vamos para casa, por favor!

—Oh, minha pequena Flor-de-Verão, tudo o que tínhamos também queimou. E, nós ficaremos bem. Juro-lhe.

—Como Christian?! Como sabe que ficaremos bem?!

—Porque agora eu estou cuidando de você.

Gênesis fez uma breve pausa, depois disse-lhe:

—Vamos embora, irmão.

Sem olhar para trás, Christian e Gênesis levantaram-se e seguiram caminho. Seria uma longa noite e também uma longa história.    

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Postado às 03:18, 02/06/2018

A Garota Que Falava Com LobosOnde histórias criam vida. Descubra agora