Capítulo IV - A Mordida

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Algo muito ruim vai acontecer hoje. Gênesis pensou enquanto sentia um arrepio gelado subir pela espinha, o que a fez arquear as costas.

Silver Hills estava em pleno verão e todas as crianças da vizinhança estavam correndo pela rua. Ela passava a maior parte de seus dias enfiada no quarto enfileirando seus pensamentos e criando novos pecados. Ela estava prestes a afundar na cama quando um raio de sol atravessou as cortinas e tocou os seus cílios, então Gênesis rolou para lá e para cá e por fim, levantou-se esfregando as mãos nos olhos. Fora das cobertas, seus pés descalços tocaram o chão de madeira laminada que era quente, muito quente.

Provavelmente por causa do verão, mas Gênesis não se importava com a troca das estações, ela realmente não se preocupava com muita coisa além de terminar o Ensino Médio e voltar para perto do irmão, para perto do único lar que realmente teve. A parte engraçada da situação é que laços emocionais são os mais frágeis criados pela raça humana, a única certeza é veracidade com a qual as coisas podem mudar.

Gênesis acreditava que absolutamente nada era capaz de mudança, a vida era uma prisão e assim deveriam todos se sentir. O caos, o medo, a ira, a tenacidade de um abraço ou a esperança de um ano bom são apenas gatilhos para uma fantasia de um mundo que jamais irá existir; Gênesis era fiel à sua existência e a sua condição medíocre de nunca ser infinita, ou de tornar-se extraordinária. Mas tudo isso desaparecia quando ela ouvia a risada do irmão. Porque tudo que existia naquele breve instante era uma pausa... uma pausa no tédio, nas dores e na loucura, era a mais genuína extinção da melancolia. Mas obviamente, tudo durava apenas um segundo. E ela nunca se permitiria esquecer.

O sonho que teve ontem à noite mal a deixou pegar no sono. Em média, ela costumava dormir não mais que quatro horas por noite e passava o resto do dia reproduzindo frases dentro do comum para não levantar suspeita. A verdade é que ela gostava de coisas depressivas. Dentro do box do banheiro, a água morna fazia todos os músculos do seu corpo relaxarem; a sensação era boa.

Ela vestiu-se com um vestido xadrez de mangas longas e calçou um Converse. Damian estava no escritório dele gritando ao telefone, chamando alguém de idiota. A mansão Black era enorme, mas Gênesis sabia como chegar até a cozinha para pegar algo para comer sem perder a noção do espaço. Ela alcançou uma maçã e pegou uma garrafa de água na geladeira, ela andou em linha reta em direção à porta até que chegou no jardim.

Ela estava se esforçando ao máximo, mas não conseguia se sentir em casa em cômodo algum. Ela colocou os fones de ouvido e aumentou o volume. Qualquer coisa ficaria menos entediante com música.

▪ ▪ ▪

—Essa falha foi notificada ontem às seis da noite, no entanto você só me ligou às oito horas! Isso é pura irresponsabilidade! Quer perder o seu emprego?  –Damian exclamou ao telefone enquanto olhava para os números da tela do computador. —Preciso que traga esses relatórios para mim.

—B-b-bem, –O garoto do outro lado da linha gaguejou. —Eu enviarei imediatamente senhor Black. Por sorte, quem nos hackeou não estava interessado nos projetos ou nas contas da empresa... Apenas em relatórios dos anos 90, sobre o incêndio de um dos laboratórios. 

—O incêndio de 94? –Ele proferiu com a voz tensa.

—Sim, senhor. Mas a nossa equipe já está reparando os danos colat... –Damian desligou o telefone interrompendo a frase do garoto.

Ele afundou-se na cadeira giratória e sentiu seu coração palpitar aceleradamente, pela primeira vez em anos ele estava assustado. O medo é a verdadeira essência dos mortais e a demanda do sofrimento é conjugar a solidão. Damian sabia o que estava por vir: seus fantasmas estavam acordando e nada impedirá a espiral taciturna que o levará de volta para aonde sua dor começou.

A Garota Que Falava Com LobosOnde histórias criam vida. Descubra agora