CAPÍTULO II

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O silêncio é algo inexplicável, algo que me deixa muito intrigado; Ele é como uma câmera fotográfica que faz foco nos sons que ecoam e esses sons quebram-o no instante que são focados. Às vezes acho que dentro de nossos crânios há um silêncio ensurdecedor e quando este é quebrado, todo nosso corpo fica comprometido. A frase "[...] vim aqui para levar comigo um aluno chamado Henri Sun, espero que ele se levante e me acompanhe até minha sala" ecoou em minha cabeça como uma bola de pinball que é lançada fortemente contra a parede de seu jogo e deixou meu corpo totalmente desconcertado, eu não conseguia sequer mexer meus dedos da mão, imagine então me levantar para andar! O mundo pareceu parar para mim, foi como viver várias vidas num instante, mas tudo não passou de imaginação e a dura realidade me trouxe de volta à terra.
Ainda trêmulo e ouvindo os cochichos dos meus colegas, me levantei da mesa lentamente e recolhi meus materiais, segui a vice-diretora, que abriu a porta para mim. A porta atrás de nós fechou e só havia ela e eu no corredor. Ela parecia alta já que estava com saltos super altos pretos, suas unhas grandes estavam pintadas com um tom vermelho vinho, usava um terno também vermelho e uma saia preta que ia até seus joelhos. Seu rosto, naquele momento, ainda era meio desconhecido para mim. Na verdade, naquele momento, nada importava, eu só queria saber o que ela queira comigo, por qual motivo ela foi me chamar durante a aula? Sobre o que iríamos falar? Mas todos esses pensamentos eram apagados pelo som que os saltos faziam a cada passo dela, eles ecoavam por todo o corredor e percorriam minha cabeça. Cada barulho feito pelos passos dos saltos era como uma facada nas minhas costas, o caminho da minha sala até a sala da vice-diretoria era pequeno, porém para mim foi como andar toda a Antártida, parecia que eu nunca chegaria lá é que aqueles saltos me matariam alguma hora.
Chegamos a sala e entramos, havia uma cadeira esperando por mim e outra esperando por ela - havia também caixas por todas as partes, deviam estar lá por causa da mudança recente -. Sobre a mesa de madeiras no meio da sala havia uma placa com o nome " Alice Bloom Clair" gravado com letras douradas, elas brilhavam muito - acho que aquela placa era nova -. Nós nos sentamos e eu pude ver o rosto de uma mulher séria, a falsa aflição já não estava mais presente, na sua boca estava um batom com um tom avermelhado bem forte, seus olhos me davam arrepios - eram azuis, mas pareciam bocas famintas-, então eu decidi focar ao máximo em sua boca - que não me pareceu faminta -', também reparei em seus cabelos longos e ruivos. Busquei bastante ar para prosseguir sem tanto desconforto e não demorou muito para que ela começasse a falar, com sua voz alta e clara:
- Bem, garotinho, hoje mais cedo recebemos uma ligação vinda de sua casa, mas ninguém estava ao telefone ou pelo menos ninguém quis falar. Achei que fosse algum problema técnico, então liguei novamente, e novamente, até que desisti e decidi ir ver o que havia acontecido na sua casa. Andei por essas ruas alagadas e ao chegar lá me deparei com a porta da frente de sua casa escancarada, entrei devagar, com medo de que houvesse algum tipo de "pessoa maléfica" remexendo sua casa, mas para minha surpresa estava tudo vazio. Liguei rapidamente para a polícia do próprio telefone da sua casa, eles iniciaram buscas por toda a cidade. Os policiais me aconselharam a lhe contar sobre o ocorrido, e lhe dizer que tudo ficará bem.
"Tudo ficará bem... Tudo ficará bem? Alguma coisa ficaria bem? Nada vai ficar bem!", foi isso o que eu pensei naquele momento, não consegui suportar nenhuma frase falada por aquela mulher, ainda mais que depois de tudo o que me disse, ela só deu um sorriso falso e de desdém, e manteve aquela sua expressão horrível. Tudo que eu queria era correr daquele lugar, ir para casa e quando chegar lá ver meus pais me receberem sorridentes, como sempre faziam. Não pode acreditar numa só palavra que saiu daquela boca, achei que fosse apenas uma brincadeira de mau gosto, que logo algum palhaço sairia de alguma daquelas caixas, acompanhado de confete e purpurina. Mas depois que nada disso aconteceu, senti que eu era o palhaço e que a vida estava rindo de mim naquele momento - minha primeira atitude depois de tamanha surpresa, foi conferir se havia alguma bola vermelha grudada ao meu nariz-.
As palavras vinham até minha língua, mas não queriam sair de lá. Aguardei mais alguns minutos e finalmente pude falar - ainda com a mão no nariz- :
- Onde estão as câmeras escondidas? Isso não pode ser verdade, não é? Meus pais são as pessoas mais cuidadosas que eu conheço. Eles jamais desapareciam do dia para noite. Eles vão reaparecer! Pode acreditar! Isso é só uma brincadeira. É só uma brincadeira!
As palavras voltaram a ficar grudadas na minha língua, perdi todo meu ar e comecei a entrar em desespero. Minha crise dramática foi interrompida por um comentário desnecessário da vice-diretoria:
- Corrigindo sua frase, eles "eram" as pessoas mais cuidadosas e você os "conhecia". Antes de eu ir até sua sala os policiais me ligaram e disseram que encontram dois corpos queimados à beira do cais. Não se sabe se eram eles, mas devemos ser realistas... Eu lamento por sua perda...
Ainda hoje me pergunto por que ela fez aquilo. Por que ela decidiu separar duas informações tão importantes? Por que motivo ela falou aquilo com tanta frieza? Com tanta convicção? Qual foi a necessidade de corrigir minha frase? Tantas perguntas é tão poucas respostas, mas a vice-diretora - agora só a chamarei pelo primeiro nome: Alice - ainda tinha mais para falar:
- Bem, como sou uma ótima vice-diretora, mandarei você para casa e direi para algum policial vigiá-lo. Sei que você não conseguirá mais assistir as próximas aulas, então o melhor é você ir e descansar, esclarecer as ideias.
Ela se levantou e colocou sua mão sobre meu ombro, também me levantei e ela me levou até a porta e disse:
- Tenha um bom resto de dia. Vá pela sombra - e sorriu como se eu tivesse indo para a Disney.
Quando me vi só no corredor, senti minhas pernas bambas, e fui até o portão de entrada segurando na parede. Tudo parecia irreal, mas eu não podia desistir, pois quando eu chegasse em casa eu descobriria a verdade: meus pais estavam vivos e esperando por mim. Foi essa esperança que serviu como bengala para me fazer andar sozinho pela calçada. Estava calor e isso me fez pensar que talvez eu pudesse estar tendo apenas algumas alucinações, assim como as pessoas que passam fome no deserto, talvez aqueles sanduíches não tivessem sido o suficiente e eu estaria bem quando chegasse em casa e minha mãe fizesse mais daqueles. Esses pensamentos esperançosos fizeram meu caminho se tornar realmente pequeno, quando me deparei já estava no quarteirão da minha casa.
Todas as câmeras estavam ligadas, mas as placas não fariam efeito em mim, depois de tudo eu não voltaria a rir tão cedo, então eu nem sequer olhei para meus vizinhos, ao contrário, caminhei mais rápido ainda, sabia que todos já deviam estar falando do desaparecimento dos meus pais.
Em frente a minha casa havia alguns policiais retirando as faixas de "não ultrapasse" e eles apareciam saber que eu era o garoto que agora estava só no mundo, pois logo começaram a abaixar suas cabeças e tirar seus chapéus - foi um momento emocionante, me senti como eu herói que salvou a vida de um inocente, mas esse sentimento foi tomado pela triste realidade de que eles estavam apenas demonstrando lamentar minha possível perda -. Ao chegar na porta, meus olhos se encheram e quase que eu não consegui mais ver as coisas ao meu redor. Quando toquei a maçaneta um "seco" preencheu minha garganta, eu o engoli e girei a chave, uma lágrima caiu e junto com ela a chuva, entrei e dentro de casa pude ouvir o barulho das gotas tocando o teto. A chuva se intensificou rapidamente e com ela minha tristeza. Fui até o quarto dos meus pais sentindo toda minha esperança despencar como uma bigorna de desenho animado. A casa estava realmente vazia, eu estava completamente sozinho. Me deitei na cama das duas pessoas mais queridas por mim, esperei até que meus olhos se cansassem daquela realidade para que eu finalmente pudesse dormir e acordar noutra.

Dobra D'água 1: A NascenteOnde histórias criam vida. Descubra agora