CAPÍTULO VI

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           “Acordei” deitado no meu quarto e quando abri os olhos pude ver a porta aberta, lembrei do que houve da última vez que vi aquilo, sentei a beira da cama e pude ver e ouvir a água saindo da porta, me senti preso na cama e parecia que a gravidade do sonho me puxava de volta para a cama e me forçava a ficar deitado, como se eu tivesse sido amarrado a uma maca de um manicômio por doutores invisíveis, lutei contra aquela força que me puxou, mas mesmo assim não pude sair de lá, em poucos instantes senti minha cama molhada, mesmo sabendo que eu não havia feito algo fora do comum, minhas mãos analisaram minhas pernas — parecia que elas tinham vida própria —, durante esse processo, não senti meu short e  depois de tamanho susto a porta se fechou bruscamente e eu vi que meu quarto estava se enchendo de água novamente. Meu quarto se encheu enquanto eu continuava a luta — parecia ser mais um luta psicológica — para sair da cama, quando eu vi que a água bateu no teto, instantaneamente, fui libertado da força e, para minha surpresa, naquele sonho eu podia nadar — mesmo não sabendo fazer aquilo na vida real —, fui até a porta e tentei abri-la, mesmo que da última vez ela estivesse fechada, dessa vez ela estava destrancada, abri com alegria no coração, mas minha alegria acabou no momento que vi que atrás da porta havia um espelho, soquei-o sem ar, depois também pude observar que eu estava totalmente pelado. Chorar debaixo d'água não é uma das melhores sensações, mas eu já estava acostumado com sensações ruins. O vidro trincou depois do décimo soco — suponho —, o sangue que saiu das minhas mãos quando ele trincou misturou-se na água e entrou na minha boca, a dor das feridas me fez gritar um “grito-mudo”, silenciado pela água, que se converteu em bolhas. Apesar de tudo, continuei a soquear, depois de muito, muito tempo eu pude finalmente fazer o vidro quebrar. A água começou a sair pelo buraco, tentei me segurar ao vidro, já que a água estava forte e corrente. Depois de um tempo pude perceber que a água não cessava e o vidro começou a trincar onde eu me apoiava, as rachaduras foram ficando maiores até que tudo se quebrou, foi uma cena muito inexplicável, não tenho palavras para descrever… Sei que depois disso voltei a realidade.
           Desolado e sem entender nada, acordei submerso na banheira, meu coração acelerou e me empurrei para que pudesse  respirar. A água estava meio brilhosa quando eu emergi, parecendo ter um tom muito bonito, mas rapidamente esse brilho se apagou. Eu me perguntei: quando meu sonambulismo havia se agravado daquela forma?
            O pior era que minhas mãos ainda sangravam, mesmo que aquilo não passasse de um sonho/pesadelo. Levantei-me da banheira, fui até meu quarto — molhei a casa toda —, me vi no espelho e percebi que todas minhas feridas do episódio dos pontapés haviam sumido, só restaram as da testa — adquiridas após o pesadelo da casa da Sra. Carla — e as das mãos — arranjadas no último pesadelo. Toquei em todos os lugares em que antes estavam ocupados por hematomas, mas não senti dor alguma. Algo a mais também estava diferente no meu corpo: a cor da minha pele, o que antes tinha um tom amarelado agora era branco como uma folha de papel. Minha mente ficou totalmente fora de área naquele momento, não sabia o que pensar, nem mesmo imaginar o que aconteceu. Eu só pude voltar ao “ar” quando o som da campainha ecoou pela casa. Desesperadamente, coloquei a primeira roupa que vi e me dirigi a porta. Quando a abri, não vi ninguém, dei uns passos adiante para observar se havia alguém por perto, mas topei com uma cesta cheia de frutas, doces e alguns enlatados. Nela havia também um bilhete, que guardo até hoje e leio todas as vezes que me sinto só. Nele estava escrito:

“Henry, nós queremos nos desculpar por lhe fazer tamanha maldade. Sentimos muito, mas todos fomos obrigados a isso, a vice-diretora Alice disse que quem não fizesse seria expulso da escola e não poderia entrar em outra escola pela região até que ela morresse.
Sabemos que nós tínhamos marcado para nos encontrarmos na sua casa, mas pensamos que não seria do seu agrado, já que naquele dia você soube sobre os seus pais.

Queríamos vê-lo, mas temos medo que a Alice saiba e nos expulse.
Espero que saiba que gostamos muito de você. Fique bem Henry.

Com carinho e o coração na mão,
Anne, Charlie e Alex.”

           Uma lágrima borrou as palavras “Fique bem Henry”. Aquela carta tornou-se para mim um símbolo de amor, mesmo que não houvesse muito disso na minha relação com os três. Alcancei a cesta e levei-a para mesa, era bem na hora do almoço e minha fome estava gritante. Abri alguns enlatados e comi algumas frutas como sobremesa — guardei os doces para mais tarde.
            Ficar naquela casa sozinho me deixou inquieto, minha pernas sentiram vontade de andar, então fui atrás da minha mochila para reabastecê-la — prepará-la para mais um passeio. Decidi que dessa vez meu destino seria a casa dos meus três “amigos”. Eles não moravam muito longe. Usei as melhores roupas disponíveis: uma camisa amarela com a frase “Keep Away” escrita com letras vermelhas, um short vermelho — usei um cinto preto para que eu pudesse colocar minha camisa por debaixo do short — e uma bota preta que eu adorava. Tudo combinou, já que minha mochila era vermelha com detalhes pretos.
            Saí de casa e não vi o Oficial Júlio — perfeito! O Sol estava ardente — pensei logo que meu novo tom de pele seria sobreposto pelo bronzeado que eu iria adquirir ou que talvez eu ficaria vermelho. Fui às casas, primeiro a de Charlie, a mais próxima, mas  ninguém estava lá; depois de Alex, ninguém atendeu ao meu chamado, apesar de eu ter ouvido alguns barulhos vindos da casa, fui embora; a casa da Anne era o que representava minha última esperança, o cansaço já estava me consumindo e eu não suportaria andar mais em vão. Chegando lá, a porta já estava aberta, mesmo assim, bati para que visse que eu tinha chegado, continue porta adentro e quando todos me viram se expressaram com surpresa, a casa estava cheia e na mão de cada um havia um ovo. Depois da expressão sumir, alguém disse “Esse não é o garoto que matou seus pais?” — dessa vez eu fiquei surpreso —, não sabia que eles estavam falando de mim, então olhei em volta para ver se havia chegado mais alguém. Eles gritaram para que eu saísse de lá, me chamaram de assassino e tudo que eu sabia era um extremo nada. Perplexo, voltei para casa pensando sobre o que eles tinham falado.
           Chegando lá, vi que o Oficial Júlio estava batendo novamente na minha porta. Ele viu quando eu me aproximei e disse:
— Tenho péssima notícias para te dar; talvez haja provas que seus pais tenham sido assassinados… e a delegacia pensa que você é o assassino.
— Mas como!? — disse indignado. — Eu estava na escola quando eles sumiram!
— Não sei, não consegui captar todas as informações direito.
— Deixe-me entrar, por favor. Quero pensar só. Você sabe que eu não seria capaz disso. Eu sou apenas uma criança!
— Por enquanto você está livre para ir. Não saia mais de casa. Eu confio em ti. Prometo que te trarei novas informações assim que as tiver.
— Obrigado.
        Entrei e tranquei a porta. Cai aos prantos novamente. Como algo tão sem sentido poderia estar sendo materializado? Para mim meus pais estavam vivos, então como eu os matei? Todos os sentimentos ruins existentes me preencheram, chorei até meus olhos arderem.

Dobra D'água 1: A NascenteOnde histórias criam vida. Descubra agora