Não teve exatamente um pedido de desculpas pelo atraso. Amábile apenas explicou que ficara presa com seu professor particular, mas decidiu que me compensaria de outra forma. O convite para um sorvete então se transformou em um convite para ir assistir um filme em sua casa no final de semana.
As coisas estavam indo rápido demais. Eu não sabia se gostava, mas não sabia dizer não. Esperava que, então, minha mãe o dissesse por mim. Claramente não foi o que aconteceu. Pelo contrário: mamãe fez biscoitos para tentar agradar minha nova amiga.
Talvez a única que ela ouvira falar.
— Biscoitos? Você é estranha, sem dúvidas – disse Amábile ao me receber, mas provou um de qualquer forma. – Pelo menos estão bons... Entre, meus pais não estão em casa hoje e meu irmão vai sair.
Amábile não era milionária, mas era minimamente rica. Casa de dois andares, móveis bonitos, paredes pintadas em cores claras. Tinha mais coisa do que eu poderia sonhar ter. Nunca me faltou nada, apesar das circunstâncias, mas desde... bom, desde os últimos meses, não era como se eu fosse exatamente mimada.
— Espero que goste de filme de terror.
Não, eu não gostava. Aliás, se existia algo que eu realmente não gostava, era de filmes de terror. Eu me assustava muito fácil e depois não conseguia dormir. Mas eu conseguia dizer não para ela? A resposta é mais fácil do meu susto.
Em silêncio, eu a segui até a sala de estar. A televisão estava pronta, assim como a pipoca e as bebidas. Não consegui de deixar de me sentir bem. Ela estava me esperando. Realmente me queria ali. Sorri por dentro e talvez também por fora, apesar de achar que estava mais corando do que sorrindo. Era uma sensação boa, ponto final.
— Pode tirar o sapato se quiser. A roupa também – Amábile se jogou no sofá e eu sentei ao seu lado, ignorando seu comentário. Estava começando a me acostumar com seu jeito. Enquanto eu me colocava à vontade, descalçando meus pés, passos rápidos desceram pelas escadas. – Algum incêndio? – Amábile gritou, olhando por sobre meus ombros quando os passos pararam.
— Não; só preciso correr até a casa da Júlia.
A voz grave e suave que respondeu me obrigou a olhar para trás... e lá estava ele, uma versão masculina igualmente bonita de Amábile. Apesar de uma leve expressão de sofrimento, a mim pareceu um ator de cinema. Quase um Hércules em carne e osso. Feito cena de filme, senti o mundo girar em câmera lenta.
Meu conto de fadas foi destruído pela presença de Amábile.
— Não sabia que para pegar vaca tinha que correr.
— Não fala assim dela, já pedi.
— Falarei mil vezes até você parar de correr atrás dela. É só uma ex, desapega.
— Por que você não pegaria seu ex, não é? – perguntou ele.
— Meu ex? Sim, eu o pegaria, só que seria com um carro ou com um taco de baseball. – Não consegui conter o riso e nem o irmão de Amábile. – Aliás, Gael, essa é minha mais nova melhor amiga.
— Muito prazer... – disse Gael, finalmente me olhando.
Não sei dizer o que foi, se o sorriso carinhoso dele ou o título que recebi, mas algo me travou e eu não consegui responder o cumprimento. Minha falta de habilidade com as palavras não passou despercebida, contudo.
— Você é meio antissocial, você sabia? É só responder.
— Deixa ela, doida. – Os olhos dele se firmaram em mim, com uma aura divertida que me enfeitiçou. – Como você pode ser amiga dela?
— N-Não sou. – Queria dizer que não sabia, mas em meio àquela confusão de sentimentos, minhas pregas vocais agiram por si só. Fez-se silêncio, como se os dois absorvessem meu quase-sussurro. Amábile foi a primeira a rir, em sequência com Gael e apesar de eu ser o motivo de seus risos, uma tensão desapareceu dos meus ombros.
Talvez não fosse ruim teramigos.
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Amábile
Short StorySe eu tivesse que escrever sobre mim, sobrariam linhas. Só precisaria de uma palavra: invisível. Aos dezessete anos, havia pouco a se saber sobre alguém como eu. Em resumo, desenhos... e acabava nisso. Eu não tinha vivido muito e nem queria. A única...