VIII

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A casa explodiu. Com Tomás dentro. Dele, só restaram as cinzas, assim como toda a dor do meu passado. Apesar de ver a dor nos olhos de minha mãe a partir de então, eu não me arrependia. Teria feito de novo. Faria quantas vezes fossem necessárias para que eu nascesse.

Ainda sim era um momento conturbado. Mesmo que fosse desses momentos que tiramos o melhor de nós – quando nos tornamos quem somos de verdade, ou quem deveríamos ser –, eu não conseguia deixar de sentir um buraco dentro de mim.

Para minha sorte, eu tinha Amábile e Gael para preencher esse vazio. Eles não me faltaram em nenhum momento; não me decepcionaram em um instante sequer. Até mesmo no velório de Tomás, eles fizeram questão de aparecer. Amábile gostava dessas situações sórdidas e Gael... Ele era um bom mais-que-amigo.

— Como você está se sentindo? – Ele me abraçou pela cintura, beijando-me o rosto. Ele havia me mandado uma mensagem minutos antes da explosão, dizendo que não deveria me deixar levar por Amábile, que eu deveria fazer apenas o que queria. Não deveria viver a sombra de ninguém.

O que ele não sabia era que na manhã da explosão, já não era mais a mesma garota assustada que sequer conseguiu responder ao seu "Muito prazer". O tapa que levei de Amábile me acordou para a vida que não queria mais para mim e me mostrou que podia ser mais. Mostrou que precisava quebrar todas as minhas amarras. Quebrei.

Quebrei e me deixei queimar.

— Não me arrependo, mas me sinto um pouco culpada pela dor da minha mãe.

— Ela vai superar, tenho certeza. De qualquer forma, você a livrou de uma. Aquele cara era um imprestável. – Gael tentou me animar, mas a situação como um todo não me permitia. Sorrir não era uma opção. Eu me deixei ser abraçada, torcendo para que ninguém pudesse escutar nossa conversa.

— O que é que vou fazer agora?

— Não leve a vida tão a sério. Ninguém sai dela vivo mesmo. – Gael beijou o topo da minha cabeça. Ele estava certo... Abri um pequeno sorriso, ao que fui retribuída. Era para ser um momento romântico, mas ele foi atrapalhado por uma invasiva Amábile.

— Meu conselho é mais sutil: deixa de ser um pé no saco.

Apesar de estar na casinha da grosseria, Amábile não deixava de ter razão. Feito fênix, eu renasci das cinzas de Tomás. Uma versão melhor de mim. Uma versão de mim que eu gostava. Não era mais a garota do caderno de desenhos; não mais a garota que queria ser invisível. Não mais a garota que não tinha amigos, a garota que não viveu nada.

Aos dezessete anos, eu tinha beijado minha melhor amiga, que estava louca para realizar um ménage comigo e seu irmão gêmeo e tinha explodido minha casa e meu padrasto. Aos dezessete anos, tinha mandado um grande foda-se ao meu pai-fantasma e livrado uma mulher de um relacionamento abusivo que ela mesma não via.

Aos dezessete anos, eu era alguém de quem eu poderia gostar. Não. Eu era alguém de quem eu já gostava... e não era pouco. Aos dezessete anos eu era eu.

Eu era Vitória.

AmábileOnde histórias criam vida. Descubra agora