Era um entardecer alaranjado, belo como os ruivos cabelos de sua mãe. Sentia-se feliz na praia, porém, era uma lágrima que visitava sua bochecha corada no lugar de um sorriso. Sentiu o aperto mais angustiante de sua vida no peito, e desabou de uma só vez, enquanto fechava os olhos numa solidão sem fim.
"É teu barco que vem, garoto, e ele te levará longe."
Continuou com os olhos fechados, mas se sentia diferente. Seu rosto, antes afogado por sua repentina mágoa, sentia apenas uma brisa morna, como o calor de um abraço. Um conforto lhe acariciou a nuca e, por fim, seus olhos se abriram, visualizando nada mais que o telhado escuro de seu quarto. Piscou algumas vezes, encarando seu pequeno lustre de sucata e suas velas já consumidas. Levantou-se suficientemente para se sentar na cama.
— Foi um sonho... não foi? — Tal pensamento lhe martelou a cabeça, até que decidiu acreditar que não passou de uma saudosa memória de algo que nunca veio a acontecer. Voltou a se aconchegar e quase adormeceu, ato interrompido pelo audível encontro da gorda mão de sua avó com a porta de madeira do seu quarto, acompanhado de um berro:
— GAROTO! Já disse que é teu barco que vem!
Uma mistura de ânimo com susto fez seu corpo se levantar sozinho da cama, só tomando o controle de seus movimentos quando se viu saindo de casa às pressas, rumo as docas do vilarejo, e ainda assim, decidiu não parar.
Ansiou sua vida toda por este momento, reconhecia seu destino: Abraçar os mares. Seu pai prometeu-lhe numa carta um barco quando tivesse a idade para se tornar um pirata, como ele.
Corria como o vento por entre as casas e vielas, tropeçava e caia no caminho, mas sempre se levantava como se nada tivesse acontecido. Parecia hipnotizado, como se uma força maior o controlasse em direção ao seu sonho. Virou a última esquina e podia ver a frente o mar, enquadrado entre fileiras de casas. Uma nuvem escura vinha ao seu encontro, assim como uma silhueta que deslizava na água. Seu coração disparou no peito e provocou-o a correr ainda mais. De corpo quente e úmido de suor, começava a sentir as gotas geladas da chuva. Por fim, chegou ao porto e ajoelhou-se na areia, vendo alguns pescadores se assustarem com sua chegada. De um dos muitos barcos atracados, revelou-se um rapaz, deitado sobre a quilha do maior deles:
— Acho que o garoto na areia está fugindo de um fantasma, olhem! — Os outros no caís começaram a rir e gargalhar, e o pescador mais novo ajeitava sua bandana na cabeça, arrumando também as duas mechas de cabelo que saiam por debaixo dela, uma de cada lado.
Sentindo a chuva em seu corpo, não tirava os olhos do barco que ainda distante, chegava perto vagarosamente. O garoto da bandana admirou-se com sua falta de reação a zombaria e decidiu caminhar até ele para entender a situação, observando na mesma direção. Postou a mão sobre os olhos e os semi-cerrou, esforçando-se para visualizar o que havia no horizonte:
— Aquele ali é seu? Você me parece novo pra navegar... de qualquer forma, seja bem vindo. Sou Mattew. - Pousou de forma amigável sua mão no ombro do garoto ajoelhado.
— B-Ba...Baehrius....— Respondia ofegante e entre soluços— e... é...o me-meu barco...que vem...
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Um Conto Sobre o Mar, os Barcos Sobre Ele e os Homens Sobre Ambos
AdventureOs piratas reinam as águas abandonadas pelos reinos. Num acordo comum, algumas ilhas são os refúgios para as famílias destes piratas, onde seus filhos nascem e crescem até se tornarem responsáveis o suficiente para prosseguir com o legado dos pais...