TÍTULO: PANDORA
AUTOR: RODRIGO MANHÃES
ARTE: MARCELE CRUZ
Todos os direitos reservados.
CAPÍTULO I
O vento corria lento e frio naquele momento. Ela era um ser humano quase solitário no meio de uma pequena praça, vazia e abandonada, estava na companhia de um cão vira-latas, que caminhava no chão de grama rala e queimada, entre o conjunto de duas mesas velhas de concreto.
Deitada um banco retangular geometricamente mal encaixado, em baixo da árvore de outono, que tinha mais folhas ao redor de sua base do que em seus próprios galhos, Pandora passava a hora, após mais um dia de aula pouco interessante, como de costume no ensino médio.
Gostava de estar naquela praça do jeito que ela era. Entre as diversas praças "revitalizadas" por verbas interessadas de vereadores ao redor do bairro onde morava, ela conseguia entrar em harmonia com aquele lugar de aparência desarmônica.
Em um certo momento ela ficou angustiada, quando notou que o tempo dos homens já avançara até perto do horário do seu próximo compromisso, que demandaria uma caminhada de pouco mais de 30 minutos. O tempo dos homens sempre esteve em total descompasso com o seu, embora isso não signifique que ela era adepta do tempo e das demais coisas que envolvam deus. Contudo por mais que o tema da religião não tivesse espaço na sua agenda, ela não se preocupava com as pessoas religiosas. Na sua vida encarou o amor e o ódio de forma sincrética, foi adorada e repudiada por gente de todos os credos.
A luz que refletia em suas pálpebras fechadas foi dando lugar aos poucos, na medida que seus olhos abriam, à paisagem predominantemente cinza e caótica daquela praça. Levantou-se lentamente do banco e respirou fundo, como se buscasse energia para dar continuidade às suas tarefas diárias após aqueles instantes paz. Com uma breve batida com as mãos contra a blusa depois a calça, tentou recompor sua aparência e deu início à caminhada até o curso de inglês.
Preferia caminhar sempre que possível. Gostava de pensar nas coisas da vida - não necessariamente na sua própria vida – e, geralmente, era nos percursos longos que conseguia chegar a conclusões ou gerar inquietações interessantes. A ideia de compartilhar espaços com desconhecidos no transporte público, sempre cheio, do subúrbio do Rio de Janeiro também não lhe agradava. Era uma menina reservada e, além disso, seu estilo costuma gerar os olhares curiosos discretos e indiscretos.
Em passos curtos, com postura rígida e olhar desocupado, por volta do vigésimo minuto de sua caminhada, percebeu que chegaria com antecedência ao seu destino. Nesse instante, como se as células viciadas em nicotina em seu organismo tivessem entendido o recado, sentiu uma vontade imensa de fumar. Olhou ao redor e, não longe dali, avistou um bar de rua, comum naquela região, daqueles que a clientela fiel aparece, pontualmente, nas primeiras horas da manhã e antes de mesmo de chegar o turno da tarde já se encontra em estágio elevado de embriagues.
Naquele momento, assim como o chamado das células viciadas em nicotina, sentiu um clamor vindo de seu estômago por comida. Lembrou que não colocou nenhum tipo de alimento para dentro de seu corpo desde a hora em que saiu de casa. Todavia, assim como seus vícios, a satisfação de sua fome sempre foi condicionada pelos recursos financeiros que possuía. Ficou feliz em perceber que sua poupança em relação ao transporte público contribuiria para que ela pudesse comprar um maço inteiro de cigarros, além de um pacote de um de seus "mata-fomes" favoritos, um biscoito salgado de milho cujo sabor, de acordo com a indicação da embalagem, deveria remeter à cebola.
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PANDORA
General FictionA inocência é a arte de viver saudável quando o mundo fora dos nossos olhos começa a ganhar forma real dentro da nossa cabeça. Em um determinado momento da vida, Pandora desperta, lúcida, no seu cotidiano, no subúrbio do Rio de Janeiro. A jovem é o...