Benjamin tem uma irmã também cinco anos mais velha. Ao contrário de mim, ele teve a chance de ter uma família estruturada, com pai e mãe bem casados. Não demorou duas semanas desde que nos conhecemos para que ele me apresentasse a todos.
Cheguei à casa da mãe dele por volta das 19h de uma sexta-feira. Eu me lembro bem de que a primeira pessoa que me recebeu foi sua irmã, Ana. Ela é aquela típica mulher que tem eternamente um jeito de menina, uma pessoa de alma jovem, para quem o tempo parece nunca passar.
Assim que me viu, Ana veio em minha direção e me deu um abraço caloroso. "Seja muito bem vinda!" Senti verdade e força nas palavras dela. O pai de Benjamin, Kart, também me cumprimentou e abriu uma garrafa de vinho.
Benjamin observava a situação com um brilho no olhar. Ele parecia estar realmente orgulhoso de mim, o que me deixava muito segura e feliz.
"Então você é a famosa Sophie!?" – Disse Ana entre sorrisos – "Sabe, Sophie, não conheço uma pessoa mais determinada que o Benjamin."
"E também ambiciosa!" – eu respondi.
"Verdade".
"Benjamin já é gerente de contas com apenas 23 anos. Puxou o pai na vocação para o trabalho". – disse Kart, enquanto degustava uma taça de vinho.
"Sophie, ele já contou dos planos dele? Benjamin pretende assumir grandes contas empresariais no banco para ganhar muito dinheiro. (risos)" Ana dizia isso gesticulando, como se fosse algo engraçado, porque ela realmente não parecia levar nada a sério.
"Não exagerem, quero apenas melhorar meu padrão de vida, mesmo porque agora tenho uma princesa para tomar conta" – Benjamin disse, enquanto tocava meus cabelos.
Eu sabia que os planos de Benjamin não eram tão modestos assim. Ele é capricorniano e percebi na hora que bati os olhos no pai dele que ele havia herdado de família essa determinação, o foco, a garra e que não desistiria tão fácil de seus sonhos.
"Ah! Então você é a famosa Sophie!" – disse Claire, a mãe de Benjamin, enquanto me abraçava. "Estou muito feliz por te receber aqui! Fique à vontade, querida!"
Ela se sentou no sofá, ao lado de Kart. "Como o tempo voa, não é mesmo, amor?! Um dia desses estávamos com as crianças brincando em volta da mesa. Agora temos dois adultos".
"É, mãe, você tem razão. Isso foi um dia desses mesmo, porque foi só aos 18 anos que a Ana se livrou do Chico" (risos)
"Benjamin, não seja atrevido!" – disse Ana.
"Quem é Chico?" – não hesitei em perguntar.
"Chico é o boneco que Ana quase levou para a faculdade" – disse Benjamin.
Em seguida, Ana acertou uma almofada na cara de Benjamin e os dois começaram a rir.
"Estou falando sério. Ana só doou o boneco porque minha mãe a intimou. Do contrário, estaria dormindo com ele até hoje", disse Benjamin.
Dona Claire, com muita habilidade, conseguiu desconversar os dois irmãos, para evitar que uma brincadeira se transformasse em discussão. Eu percebi que a força da família está nela, pois é quem intermedia e evita todos os conflitos, mantendo todos unidos.
"O jantar está servido! Venha, Sophie", ela disse. A comida de D. Claire é excepcional, tanto que, durante o jantar, a concentração era tanta que ninguém soltava nem sequer uma palavra.
Quando terminamos de comer, já era 22h e Benjamin me levou para casa. Ele ligou o Spotify no carro com um jazz e blues.
"Nós somos uma família muito louca, não é?", ele perguntou, enquanto ajustava a playlist do celular.
"Vocês são fantásticos!", eu disse, procurando a mão de Benjamin para segurar.
"Me conta como foi essa história da Ana com o Chico?"
"Ana sempre teve uma enorme coleção de brinquedos, desde a infância até a adolescência. Meu pai nunca nos negou nada", dizia Benjamin enquanto olhava ora para mim, ora para o volante.
"Quando completou 15 anos, ela decidiu se desfazer de todos. Só ficou o Chico, que era um boneco bebê gigante. Ela dormiu abraçada a ele até 18 anos. Começou a ficar uma situação sem sentido... minha irmã lá com aqueles peitões e com aquela bundona chupando dedo e dormindo com o Chico. Foi aí que minha mãe a obrigou a jogar o boneco fora."
"Qual foi a reação da Ana?"
"Ah... a Ana chorou compulsivamente. Nunca esqueci essa cena. Também não entendi por que. Ela não queria se desfazer do boneco".
"Sabe, Benjamin. Eu percebi que sua irmã não conseguiu perder a alma de criança, ela não assumiu uma postura adulta até hoje. Você me contando isso, agora faz todo sentido". Eu disse, enquanto passava as mãos no rosto dele. "Ela sofreu porque foi obrigada a se despedir de vez da infância, e essa era uma fase que ela não queria abandonar".
Benjamin me olhou surpreso ao ouvir essa declaração.
"Isso faz muito sentido, Sophie. Ana sempre foi a princesa lá de casa, meu pai comprava tudo que ela queria".
"Então, Benjamin. Para ela, com certeza, seria mais agradável permanecer na infância do que encarar todos os desafios da fase adulta. O boneco era ela, na visão infantil; o boneco era o último elo que ela tinha com a infância", eu disse.
"Nunca tinha pensado nessa situação dessa maneira, Sophie." – Benjamin disse, movendo o olhar ora em direção ao trânsito, ora em direção a mim. "Já reparou como nossas conversas são loucas?"
"Hahaha! Não são conversas loucas. É que olhar a alma, ao invés dos fatos, sempre parece loucura", eu disse.
Benjamin parou o carro e nós ficamos abraçados por um longo tempo.
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Marcas da Vida
General FictionSophie, assim como muitos de nós, vai deixando a vida passar por ela, sem questionar suas escolhas. Ela aceita respostas prontas da mãe, do namorado, sempre para fugir dos problemas e das frustrações. Até que um dia, ela se vê sem nenhum esteio, obr...