MORTE

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Não sei se por tristeza, desespero ou solidão, mas, hoje, decidi que não vou mais viver. Há quem diga que o suicídio é um ato covarde, já para outros representa coragem. Para mim, o suicida é as duas coisas: covarde para encarar a vida e corajoso para encarar a morte. Já percebeu como a morte é bem mais democrática que a vida? Se, por um lado, você não pode escolher quando nascer, sob quais condições, em que lugar ou filho de quem vai ser, por outro lado, pode pelo menos escolher o momento que vai interromper essa viagem e de que modo quer fazer isso.
Minha maior inspiração suicida sempre foi Evelyn McHale, dona do suicídio mais bonito do mundo. Ela se eternizou quando praticamente pousou sobre uma limusine aos pés do Empire State Building em Nova York, segurando delicadamente um colar, de pernas cruzadas e sem nenhum arranhão. Uma morte suave e delicada, apesar de uma queda frenética do 82º andar de um dos edifícios mais altos dos Estados Unidos à época. Eu adoraria que o mesmo acontecesse comigo, mas acredito que, no caso dela, a limusine amorteceu a queda e poupou o mundo da bizarrice das fraturas expostas e ossos quebrados. Com certeza, não terei a mesma sorte.
Eu elegi a Torre Eiffel para ser minha parada final. Ela está ainda mais linda hoje, numa manhã típica de outono em Paris, quando as folhas das árvores caem suavemente sobre calçadas, carros e ruas, praticamente tecendo poemas visuais. Então você caminha entre esses poemas, pela Champ de Mars, e a vê sempre lá: solitária, bela e imponente. E são essas as últimas imagens cinzentas de Paris que faço questão de registrar na memória.
Eu já me sinto em outra dimensão: pensamentos vão e voltam em minha mente sem parar. Eu me vejo como um completo fiasco, um erro no mundo e, de certa forma, acredito que minha partida será um alívio para todos. Não tenho mais nenhuma esperança, simplesmente cheguei à conclusão de que não dá mais para continuar. A dor aqui dentro do meu peito é insuportável. Tudo que tenho vontade de fazer é sair de fininho, sem fazer barulho e sem que ninguém consiga me notar.
Acabo de chegar à Torre. Agora resta saber como vou colocar em prática o plano elaborado após noites e noites de pesquisa no Google. Trouxe uma máquina fotográfica para disfarçar minha intenção do olhar curioso das pessoas. Sempre soube que não estava diante de uma missão fácil, já que o policiamento no local é eficaz para evitar que as pessoas se joguem do alto, fora a quantidade de turistas que podem fazer alarde a qualquer momento. Se eu conseguir subir alguns metros por fora do monumento, vou dar adeus em grande estilo!
Entro no elevador panorâmico e paro no primeiro andar. Eu li na internet que algumas pessoas conseguiram se atirar deste ponto, após escalar a barreira de segurança da torre. Observando a vista, deixo os últimos pensamentos tomarem conta de minha mente. Tento imaginar como será o momento em que meu corpo tocar o solo. Sei que, desta altura, a chance de sobrevivência é de cerca de 1%. Ao me jogar, meu corpo deve ganhar uma velocidade de até 180 km/h, o que fará com que meu peso atinja aproximadamente 300 kg, que serão devolvidos de volta contra todos os meus ossos no momento que cair no chão.
Ao meu lado, neste momento, há apenas um casal de turistas e um senhor de idade trabalhando na manutenção. É hora de agir. Estou muito tensa. Com as mãos trêmulas e suadas, faço várias selfies para que ninguém perceba nada de estranho. Caso alguém chame minha atenção, vou dizer que não havia percebido a faixa de segurança e apenas queria tirar a foto. Vagarosamente, chego até a barreira de proteção e consigo atravessá-la. Deu certo! Ufa! Que alívio!
Como não pude pensar melhor na roupa que ia vestir? Estou com uma saia cigarrete cinturada vermelha, um lenço enrolado no pescoço, casaco e botas, que me deixam com pouca mobilidade para me agarrar aos ferros da torre e subir um pouco mais alto. Na prática, não é tão simples como tudo que li no Google. O vento é forte e frio. A estrutura do monumento é traiçoeira e vou me firmando como posso para não escorregar, afinal, quero que tudo seja do meu jeito. O lenço acaba sendo levado pelo vento e vai rodopiando até chegar ao chão. Vai ser agora. Já estou a uma altura suficiente. Ergo a cabeça, abro os braços, fecho os olhos e me inclino para me jogar deitada, de costas, rumo à eternidade. Começo a sentir uma imensa paz...

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