Capitulo 1

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Deixei-a para trás…parada…espero que sem olhar para o carro, espero e quero acreditar, preciso de acreditar que quando eu voltei costas, ela também as voltou.

Na minha família nunca houve espaço para grandes emoções, sentimentos e demonstrações.

O meu pai ensinou-me que os homens não choram, os homens não se deixam levar como “mulherezinhas”, os homens decidem e avançam. As incertezas e lamechices ficam para as mulheres, esses seres que segundo o meu pai pouco ou nada tinham na cabeça. Esses seres podiam perder tempo com as mesquinhices do amor, da empatia, desde que isso não interferisse com o jantar na mesa a horas certas e as camisas engomadas.

Nunca gostei desse lado do meu pai, aliás nunca gostei de nenhum lado do meu pai, gostava dele porque era algo que vinha inscrito no meu código genético. Mas hoje lembro-me das palavras do meu pai, as palavras que eu sempre considerei um monte merda e faço-as minhas.

Sempre fui a ovelha negra da família no toca aos sentimentos, para desagrado deles eu tenho-os e não os escondo…o meu pai nunca os teve, o meu irmão foi inteligente o suficiente para a prender a não os ter e a minha mãe submissa demais para que os deixasse viver.

Mas agora, neste momento no carro…eu só quero ser um pouco como o meu pai ou como o filho da puta do meu irmão, que só vê cifrões à frente.

O meu voo parte daqui a duas horas, dentro de oito estou em casa…no momento que embarcar, vou ter a certeza que consegui.

Nesta hora já abri a boca mil vezes para dizer ao Miguel para voltar para trás…mas eu sou forte eu consigo. Fecho os olhos e tento abstrair-me de tudo…tento fazer de conta que as minhas dores são físicas, essas eu consigo sempre viajar, alhear-me ou mesmo mastigar comprimidos como se fossem cerejas, uns atrás de outros.

Encosto a cabeça para trás e pela primeira agradeço o facto de já não conduzir. Se conduzisse já tinha voltado para trás, para me arrepender, dar meia volta e ir para o aeroporto. Acho que já tinha tido um acidente…

Fecho os olhos e vejo-a…vejo-a a rir-se, a chorar….debaixo do meu corpo com os cabelos espalhados pela almofada. Eu não sei o que sou, eu não sei o que fiz…estou perdido. Fechar os olhos é uma má opção. Muito má opção…Abrir os olhos e viver com eles abertos, não me arrastar, não me deixar levar pela falta que ela me faz e que vai fazer.

Foi minha a opção de a deixar…deixei-a agarrada à merda de um cão, como se o cão fosse um prémio de consolação…espero que um dia ela perceba e que compreenda a minha opção de a deixar, de continuar com a minha vida, como se o que se tivesse passado entre nós não fosse nada. Espero que ela perceba que ela foi tudo, que ela sendo tudo, só me restava deixá-la viver sem mim, sem a merda de um corpo que não vai responder daqui a uns anos. Ela ficou com o que ainda era razoável…não ficou com o bom, ficou apenas com o Gio que era minimamente razoável, quando o que ela merecia era o “Gio Perfeito”.

Ela disse-me que me amava, que queria que eu ficasse e o que é que eu fiz? Ofereci-lhe uma cadela e uma cadeira…

Comprei-lhe a cadela dois dias depois de da partida de Eros. Não consigo encontrar qualquer explicação lógica para a ter comprado, mas comprei-a e nunca mais me lembrei que a tinha comprado, até que há dois dias me ligaram a avisar que me iriam entregar a cachorra. Tentei cancelar a compra, expliquei a situação, disse que não me importava de pagar o que já tinha pago, mas não houve solução. Coloquei a hipótese de levá-la comigo para Itália, mas a merda de burocracia Portuguesa e Italiana é um verdadeiro filme de terror. Parti para a hipótese seguinte, arranjar um novo dono. Anúncios em sites, eu a oferecer dinheiro para ficarem com o animal, mas quem me ligou estava interessado no dinheiro e não no animal.

Quando te deixei, amor (disponível até 03/05)Onde histórias criam vida. Descubra agora