Capitulo 10

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O dia da exposição chegou, a ansiedade passeava em mim sem sinais vermelhos que a fizessem desacelerar, mas dadas as circunstâncias era normal. Nunca fui uma pessoa demasiado optimista, sempre fui mais negro. Esse é um lado de mim que é só meu, não o mostro e não o dou a ninguém. Ele é o meu pequeno tesouro.

Eu e a Cesca caminhávamos aos poucos, ou melhor ela caminhava e eu tentava acompanhá-la nesta vida a dois. Comecei a agir pelo que era correcto e pelo que se esperava. Assumi a minha escolha, guardei a dor, que ia libertando quando estava sozinho ou quando os meus pensamentos estavam solitários.

Escolhas e consequências…esta era a consequência.

Este era o meu passeio…difícil com obstáculos, mas eu na minha inocência acreditava que um dia iria caminhar a direito, numa planície sem altos e baixos.

Numa escolha em que o sofrimento iria ser repartido por três pessoas, eu optei por minimiza-lo, reparti-o apenas por mim e por ela. A minha consciência ficava calma…Cesca feliz e eu feliz por conseguir.

Foi no escuro do cinema, um dia depois da visita de Gabi que a saudade verdadeiramente apertou, se eu achava que até aí eu sentia dor, saudade, no cinema ela surgiu em forma de um quase ataque de pânico. Um aperto no peito seguido de uma ausência de oxigénio, uma dor própria de puro desespero. Apareceu sobre a forma de um luto, aquela sensação que surge quando alguém morre e nós nos damos conta que nunca mais vamos ouvir a pessoa falar, nunca mais vamos ter o cheiro dela no nosso corpo ou olhar para o lado e ver um simples sorriso.

No escuro do cinema, com a mão da Cesca entrelaçada na minha, percebi que com ela nunca iria ter isto, que nunca tinha tido coisas básicas e que damos como certo quando amamos e nos amam. Um cinema, um jantar a festejar um aniversário de um amigo, um fim-de-semana fora. Nunca iríamos ter um mergulho a dois numa piscina, nunca mais iríamos ter nada.

A ficha caiu nesse dia, talvez eu durante o ultimo mês e meio, dois meses sofresse mas de alguma forma achasse que um dia talvez fosse possível… mas nessa noite e no escuro do cinema eu soube que não.

A partir daí adquiri um hábito, uma espécie de placebo para a dor, comecei a visitar todos os dias o seu perfil no facebook. É estúpido eu sei, não é uma decisão sábia de quem tem trinta e dois anos e que está numa situação criada por ele, mas não existia uma razão lógica para não o fazer…até aquele dia eu ia ao facebook, abria o perfil do meu alter-ego, Deus Italiano ficava ofline e passava em revista algumas das nossas conversas. Agora todos os dias visitava o seu perfil.

Ela nunca foi de fazer muitos comentários, de actualizar o seu estado, deixar recados via rede social. Respondia sempre com polidez a alguns posts que lhe deixavam no perfil, algumas coisas dos pais e dos irmãos. Um like numa foto ou outra, geralmente em fotos de amigos com filhos.

Imaginei-a várias vezes como mãe. Viajei no tempo e imaginei um dia abrir o Face e ver uma foto dela com um sorriso enorme a exibir uma barriga gigante e um homem qualquer a abraça-la.

Foi uma ideia que abandonei segundos depois de ter tido, visualizado e me ter deixado agoniado.

A Cesca no quarto ia fazendo a produção necessária. Segundo a própria, ela como esposa do artista tinha de brilhar tanto quanto ele. Eu limitei-me a vestir o que era básico num homem, que o brilho ficasse todo para a Cesca.

Sentei-me no sofá com o computador ao colo, os protestos da Cesca com a roupa chegavam a mim.

A minha página apareceu e o primeiro sorriso do dia desenhou-se no meu rosto.

Vê-la iria dar-me sorte e se eu precisava de sorte. Precisava de vender alguns quadros ou todos. Não estava na miséria, não estava mal de finanças, mas uma parte das minhas economias tinha sido gasta no casamento. A minha única fonte de rendimento eram uns investimentos que eu tinha feito e os lucros da empresa do meu pai, que eram distribuídos trimestralmente e que que não tinham um valor certo. Podiam variar entre os 10€ e os 1000€.

Quando te deixei, amor (disponível até 03/05)Onde histórias criam vida. Descubra agora