Respostas - Parte I (Flashback)

30 5 2
                                    

Eu sempre me levantava da cama bem cedo, e muitas vezes pegava Xou ainda dormindo ao meu lado na forma de homem, sempre me protegendo de algo que eu mesma desconhecia.
Durante o primeiro, dos muitos meses que passaria com a doutora Anabell, os meus poderes vieram com naturalidade, como água fluindo por um rio.
A primeira vez que a doutora presenciou as minhas habilidades, foi quando estavamos no bosque nos fundos da mansão. Eu brincava de bola enquanto Xou e a doutora observavam. Até que eu joguei a bola muito longe e quando dei um passo para buscá-la sumi e depois reapareci na frente da doutora com a bola nas mãos. Eu tinha me movido na velocidade da luz sem me dar muita conta disso e a doutora apenas levantou da poltrona onde estava sentada e observou aturdida toda a cena que não durou nem dois segundos, pois Xou estava em forma de homem e havia me carregado nos braços de forma protetora, pronto para atacar a doutora.

- Bem Anabell, agora eu acho que você tem certeza.

Sim! Anabell tinha certeza de algumas coisas, primeira: que a menina na sua frente não era uma simples vivente, e segunda: era óbvio que o homem que tinha a menina nos braços era o coelho que estava com ela o tempo todo desde o primeiro dia em que ela a encontrou e ele havia escutado a conversa dela pelo telefone.

- Sim, eu tenho certeza. - Olhando para mim, ela falou. - Devemos fazer algumas mudanças. Sem poderes fora de casa - Apontando para Xou ela continuou - Você só pode se transformar se Azirael correr perigo e por último, Azirael...- A doutora fez uma grande pausa, então disse - Temos que mudar seu nome, ele é muito antig...

- Não! Meu nome é a única coisa que eu sei de verdade.

A doutora não sabia bem como continuar a conversa, ela se aproximou e passou a mão pelos meus cabelos, tudo isso sob o olhar cauteloso do coelho. - Entendo querida, mas se você quiser ser minha filha, vou precisar mudar o seu nome. Aziel, o que acha de Aziel?

"Aziel..." engoli as palavras com os ouvidos, elas desceram que nem veludo auditivo e na mesma hora acenei com a cabeça. - Sim, Aziel parece um ótimo nome.


●♤●

Depois das regras terem sido estabelecidas, passei a usar meus poderes apenas em casa, ou quando ia no bosque escondida de Anabell para ajudar algum animal ferido. Mas as perguntas ainda não tinham sido respondidas. Eu era diferente dos demais viventes, não tinha lembranças de antes de acordar no Museu, não sabia quem era ou o que eu era. Então numa manhã, cansada de perguntas sem resposta eu acordei com um pensamento bem simples. - É Isso! Eu tenho que voltar no Museu, com certeza lá tem alguma resposta.

- Não, não mesmo. Você prometeu a Anabell que ficaria em casa e nunca sairia sem permissão. Você não vai.

Xou estava na sua forma de coelho habitual e falava com autoridade apesar de parecer apenas um coelho fofo aos olhos de qualquer outra pessoa que o visse. Um coelho falante era no mínimo louco! O que eu era e por que Xou havia dito que foi criado por mim? Eu curava animais feridos, movia objetos com a minha mente, era ágil, inteligente e tinha muita força, mas eu não havia criado nada com eles. Eu precisava de respostas.
Olhando para Xou ela sorriu como uma criança prestes a fazer uma estripulia. - Xou, você vai desobedecer também, porque você vai comigo de qualquer forma.

Olhando incrédulo para mim, o pequeno coelho se transformou em homem num piscar de olhos e com um acenar de cabeça falou: - Você não sabe como é o mundo lá fora Aziel, os viventes estão piores do que antes e você é apenas uma criança. Anabell fez uma ligação no dia em que chegamos aqui, ela falou com um dos amigos pesquisadores, um dos que estavam com ela quando fomos achados. Eles não pensam que você é uma simples vivente, imagine se eles descobrem que você tem poderes?

- Então é por isso que você não confia nela. Mas já se passaram várias semanas e ela não fez nada de mal, ela só tem nos ajudado. Eu gostaria de respostas Xou, você é meu familiar, diz que eu criei você e você não quer respostas também? Ou você já sabe as respostas?

- Aziel, eu dormi tanto quanto você. Acordei algumas vezes e me aventurei pelo Museu afora, mas quando vi como o mundo estava eu preferi que você continuasse dormindo.

- Se eu entendi bem, você esperou até que eu acordasse, então eu estava lá fazia quanto tempo?

Xou não respondeu e se limitou a olhar a floresta pela janela do quarto. - O dia parece lindo lá fora, você sempre gostou de dias quentes e sua estação preferida é a primavera. Ou eram as suas coisas preferidas, muitas estações se passaram desde que você dormiu. Eu não sei ao certo, eu parei de contar depois de um tempo.

Eu escutei tudo com cuidado e fui absorvendo as informações aos poucos. Eu gostava de dias ensolarados, e da primavera. Eu sorri pra mim mesma, feliz por ver que isso não havia mudado. - Xou, eu quero saber quem eu sou.

- Mesmo que isso custe sua felicidade? Você está pronta para largar essa vida e descobrir quem você é?

- Parece um preço alto a pagar por algo que já me pertence, você não acha?

- Sim, de fato, o preço é bem alto, talvez alto demais. - Xou parecia melancólico e distante, ele tinha voltado a olhar para a janela, mas não havia paisagem em seus olhos, ele estava perdido em suas próprias lembranças.

Um medo súbito percorreu a minha espinha, me levantei e fui em direção ao espelho do banheiro. Ao ver meu reflexo, tentei imaginar quem eu tinha sido, meu corpo era de uma garota de 12 anos, mas eu já tinha notado algumas mudanças desde que havia acordado no Museu, mas minha mente não parecia acompanhar meu corpo, eu tinha muito mais conhecimento do que uma menina de 12 anos normal teria e meus poderes com certeza poderiam fazer de mim uma assassina como as dos programas de TV. Será que era isso? Eu era uma supervivente criada pelo governo para matar sob comando e por isso não tinha lembranças do passado. Mas por que eu estava no Museu e quem eu tinha que matar?

- Posso garantir que você nunca tirou uma vida, e você também não foi criada pelo governo.

- Como você pode ler meus pensamentos e eu não consigo ler os seus?

- Porque eu bloqueei meus pensamentos, mas você ainda não aprendeu a fazer isso. Você não pode entrar na minha mente sem permissão, foi você mesma que me ensinou a fazer isso.

- Acho que você vai ter me ensinar dessa vez. - Disse abrindo um sorriso largo e pensando no quanto queria aprender mais sobre os meus poderes e sobre mim mesma.

- Sim, eu ensinarei. Mas se vamos fugir de casa e invadir o Museu, devemos fazer isso quando tiver pouca gente, e pra sua sorte eu sei várias entradas muito boas para o Museu.

- Então você vai me ajudar?

- Sim. Mas eu quero que me prometa, se a verdade for um fardo muito pesado para você, você tem que me dizer, certo?

- Certo, eu vou dizer, mas o que você poderia fazer se ela for?

- Vou fazer algo que você me ensinou a muito tempo atrás.

Nos olhamos durante um tempo, Xou parecia implorar para que eu deixasse a ideia de ir ao Museu e eu estava determinada a ir. Resolvemos então deixar tudo arrumado para sair perto da meia noite e torcemos para que Anabell estivesse trabalhando madrugada a dentro e não voltando para casa enquanto íamos para onde prometemos não ir.

Elos - A Jornada de AzielOnde histórias criam vida. Descubra agora