Capítulo VI

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3 anos depois...

Novamente acordo após um pesadelo com Eva.

Esse peso não sai da minha memória. A dor de perder minha melhor amiga e nem sequer poder me despedir – porque o pai idiota dela não fez um funeral e nem sequer deixou vermos o enterro – ainda se faz presente em minha vida.

Ele disse que enquanto ela estava viva ninguém se importava com a filha dele então não queria pessoas chorando falsas lágrimas.

Pior que eu não posso negar. O que ele disse tem fundamentos na verdade.

Velórios são sempre assim. Enquanto a família chora pelo ente querido, outras pessoas fofocam sobre qualquer outra coisa que quiserem.

Pelo o que Eva me dizia, na escola poucas pessoas a conheciam. Ela raramente saía de casa – só para a escola, obviamente. Quando saía ela sempre estava com um moletom ou o cabelo cobrindo o rosto, o que dificultava a reconhecerem.

Por isso eu a chamava de esquisita. Um ser humano que não interage com ninguém além dos livros. Muito solitário.

Paro de pensar em Eva e decido levantar da cama.

Não são nem 06h da manhã ainda.

Essa é minha última semana de férias. Na semana que vem eu já tenho que viajar para Santa Catarina para uma seção de fotos.

Sim, eu acabei me tornando uma modelo. Eva acharia bem fútil, mas foi o que eu conquistei. Aliás, o que minha beleza conquistou.

Tomo um banho e coloco uma roupa de corrida.

👻👻👻

Após correr por quarenta minutos eu volto para casa e tomo outro banho. Tomo café e espero Mateus acordar para a gente ir para a academia.

Sim, tenho energia para dar e vender.

— Bom dia maninha. — Mateus me dá um beijo na testa. — Acordou cedo hoje? — Fiz que sim com a cabeça. — Pesadelo de novo?

— Sim. Eva sempre aparece em meus sonhos. Ainda não superei perdê-la.

— Eu também penso nela às vezes. — Ele suspira — Nem tive chance de me declarar.

— Pois é, mas pelo menos agora você tem alguém a quem amar.

Mateus está namorando há um ano e meio. Ele parecia meio relutante no início, no entanto Patrícia insistiu tanto que ele acabou se apaixonando por ela. Ela é uma boa garota. Trabalha como gerente em um dos supermercados daqui. Eu a suporto. Não gosto dela como gostava de Eva, mas dá para o gasto.

— Sim... — Ele passa manteiga em uma torrada — Patrícia é legal. Eu gosto muito dela. Mas isso não quer dizer que eu não pense em Eva de vez em quando.

— Acho que esse fantasma sempre rondará nossas vidas.

— Não penso nela como um fantasma. Apenas acho que ela foi tão importante para nós que não conseguimos abandoná-la.

— Eu morro de medo de esquecê-la. — Suspiro frustrada. — Ninguém parece se lembrar dela. É como se ela nunca tivesse existido. Se nem eu me lembrar dela, sua existência será como fumaça. — Tomo um pouco de suco de laranja. — Ninguém merece ser totalmente esquecido. E mesmo que isso não me faça tão bem, eu quero continuar lembrando.

— Eu te entendo, maninha. É seu direito, como melhor amiga dela. — Ele toma um pouco de café. — Mas ela não iria gostar de você ficar assombrada com essa lembrança. Ela mesma não se importava com isso. — Ele me encara — Nunca pensou que talvez ela não quisesse ser lembrada?

— Talvez você tenha razão. Eva não era uma garota comum. Nunca foi. Preferia a solidão de sua biblioteca...

— Você sabia que alguém se mudou para a casa que era dela?

Eu paro de mastigar a torrada que está em minha boca e olho para Mateus. Tomo mais um pouco de suco e engulo.

Nem sequer consegui entrar naquela maldita casa depois que Eva se foi.

Algumas pessoas até inventaram que a casa se tornou mal assombrada.

Eu não acredito nisso. Mas fico extremamente irritada por estarem desfigurando a imagem da minha amiga.

Ela era uma boa pessoa. Provavelmente agora está brincando com belos anjos.

— E você sabe quem se mudou para lá? — Pergunto por fim.

— Ao que disseram é um homem. Não consegui mais detalhes. — Ele me encara novamente — Não acha que se você for lá e se despedir dela você ficará melhor?

— Não sei se tenho coragem. Aquela casa me trás muitas lembranças. Inclusive daquele dia...

Uma lágrima se forma em meu olho. É terrível lembrar-me daquele dia. Se eu tivesse ido junto com ela, talvez Eva não tivesse morrido.

— Lara, eu já te disse que você não teve culpa nenhuma. Se você estivesse junto com ela, poderia ter morrido também. — Ele pega minha mão — Eu não suportaria perder vocês duas...

Mateus está certo. Podíamos ter morrido juntas. E eu não poderia imaginar que algo tão trágico iria acontecer. Afinal, aqui é Muqui. Nada nunca acontece aqui.

Respiro fundo e me acalmo.

— Vamos parar de conversa mole e vamos treinar. O melhor que podemos fazer é seguir em frente.

👻👻👻

Entro na academia e começo a fazer os exercícios do dia.

Preciso tirar esses pensamentos ruins e deixar só as boas memórias. Minha amiga não gostaria que eu pensasse nela como alguém maligna que impede que eu tenha bons sonhos.

Quando estou quase terminando entra um rapaz muito bonito. Ele é musculoso, da minha altura – isto é, 1,80m – e com cabelo preto combinando com seus olhos, de mesma cor. Ele tem a pele morena, o que me faz pensar nele se exibindo na praia.

Reparando bem, ele é o gostoso que eu vi na padaria ontem. Antes que eu vá para Santa Catarina tenho que dar uns pegas nesse cara.

Rio com meu pensamento, mas congelo imediatamente quando olho por sobre o ombro dele.

Minha respiração acelera. Eu só posso estar maluca.

Olho atentamente e não pode ser... É a Eva. Ela está parada atrás do cara bonitão e olhando para mim.

Eu pisco para confirmar e quando abro o olho novamente, ela não está mais lá.

Ok, eu estou enlouquecendo!

Saio rápido dali e vou até o banheiro jogar um pouco de água no meu rosto. Preciso me recompor. Essa situação já está passando dos limites.

Se eu continuar agindo assim terei que procurar um psicólogo.

Quem É Eva?Onde histórias criam vida. Descubra agora