O fim

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Minha respiração fica ainda mais acelerada no momento que ouço um novo disparo.
O som ecoa pelos meus ouvidos, arrepiando os pêlos da nuca e gelando meu coração angustiado. Meus dentes batem descontroladamente, como se eu estivesse despido debaixo de uma nevasca.
Sinto tanto frio. O suor que escorre da minha testa chega aos meus olhos, se juntando às lágrimas e embaçando minha visão já turva.
Penetro o máximo que posso no pequeno armário de vassouras que me encontro, numa tentativa tola e desesperada de conseguir me fundir à escuridão e ficar invisível.
Se eu ficar em silêncio durante tempo o suficiente, talvez ele não me encontre. Talvez ele me ignore e passe direto, em busca de outra vítima. Ou, melhor ainda, a polícia pode chegar, a qualquer momento, e dar um fim a esse inferno.
Com a respiração entrecortada, tento me acalmar, relaxar, para só assim acordar desse pesadelo.
Porque isso não pode ser real.
Não pode estar acontecendo.
Eu nunca, nunca pensei que...
Meus devaneios loucos e delirantes são interrompidos no exato instante que escuto mais um tiro.
— Não, não, não... — começo a choramingar feito criança, mesmo sabendo que isso não irá me salvar. Levo as mãos trêmulas aos olhos para esfregá-los para clarear a vista, e logo me arrependo, pois estou ensopado de sangue, desde a ponta dos dedos até metade do antebraço. Tenho um novo ataque ao me dar conta daquilo e faço uma nova checagem em mim mesmo; estou sem um dos sapatos, o terno rasgado, com um corte profundo na bochecha e um arranhão na testa. Meu rosto e meu cabelo desgrenhado com toda certeza estão manchados e salpicados com sangue. Levanto minhas mãos para analisá-las melhor e tenho uma ânsia de vômito ao ver aquele líquido vermelho escorrendo por meu corpo, e começo a chorar com mais fervor ao ver tudo aquilo, mesmo sabendo que chorar não é a resposta. Ficar me escondendo não é o suficiente.
Não há nada, não há ninguém, que possa mudar isso; não existe uma solução, tampouco uma saída.
Ele irá me matar.
Eu irei morrer.
Ele provavelmente o matou.
É apenas nele que consigo pensar.
Aqui, no escuro desse armário sufocante, aterrador, sombrio, tenho vislumbres.
As pessoas sempre dizem que um filme se passa pela sua cabeça momentos antes de você morrer.
É verdade.
Acho que isso está acontecendo comigo agora.
Esse armário será meu túmulo; eu estou vivo em minha própria cova, apenas aguardando a bala que irá ceifar minha vida.
Eu vou morrer.
Ao pensar nisso, me dou conta de que eu nunca quis morrer de verdade, mesmo em meus piores dias; eu apenas queria matar minha dor, meu sofrimento, minha aflição. Eu queria assassinar e pôr um fim definitivo à angústia, à tristeza, à solidão.
Mas nunca quis morrer de fato, porque mesmo durante minhas piores crises, durante meus maiores surtos, no fundo eu sempre soube que queria continuar lutando para enfim conquistar uma vida melhor.
E depois de tanto sacrifício para finalmente me livrar do peso da negatividade que convivia comigo, estou aqui.
Prestes à ser assassinado.
Agora está tudo silencioso; não há mais música, nem gritos, nem som de coisas se quebrando, muito menos de pessoas correndo. Os tiros cessaram.
Está tudo quieto, e não sei se isso é um bom ou mau sinal.
O único som audível é o de minha própria respiração ruidosa, e o martelar frenético do meu coração inquieto, e mesmo assim tenho medo que aqueles sons possam trazê-lo até meu esconderijo.
Então eu simplesmente espero.
Espero pelo que parecem ser horas, dias, meses, anos. O tempo parece se arrastar; o medo parasita minhas entranhas e o pavor me engole, entorpecendo meus sentidos.
Sou tirado à força do meu pequeno universo particular de medos quando ouço passos pesados do lado de fora, que cessam apenas quando chegam no local onde estou escondido.
   Vejo uma sombra, uma espécie de silhueta humana, através das frestas da porta de madeira; ele está me espreitando do lado de fora.
Fico paralisado.
Minhas terminações nervosas transmitem apenas o mais puro terror, uma espécie de pânico bruto. O pavor me domina de tal modo que nem consigo me mexer, não consigo fazer nada que não seja esperar por minha morte.
Porque eu sei que é ele.
Sei que ele irá me matar, como fez com os outros.
Meus amigos estão mortos por culpa dele.
A porta, então, é aberta com tamanha violência que quase chega a ser arrancada das dobradiças e ele entra com passos rápidos.
É o meu fim.
Sinto um aperto tão forte no peito que nem sequer chego a olhar o seu rosto, envolto pela escuridão do armário; só consigo distinguir suas roupas, que estão repletas de sangue, igual às minhas.
Minha visão escurece completamente agora e sinto que minhas pernas estão cedendo sob meu peso, e me encontro caindo de cara no chão, mas antes que eu o atinja, antes que eu morra, sou tomado pelas minhas memórias e cenas de um filme são exibidas diante de meus olhos, fazendo com que eu relembre com clareza todos os detalhes, todas as escolhas de meses atrás, que me trouxeram até aqui, até este exato momento...

O Garoto dos Cachos Azuis [EM PAUSA]Onde histórias criam vida. Descubra agora