O Destino

134 8 0
                                    


  Vivi a minha infância toda ouvindo do meu avô que o destino é o meu melhor amigo e pior inimigo ao mesmo tempo. Naquela época eu não conseguia entender o significado desse ditado, mas agora, quase dez anos depois, ele finalmente me explicou o que queria dizer esse tempo todo.
  Estávamos sentados à varanda, como de costume, ele em sua cadeira de balanço e eu no tapete de veludo vermelho que cobria quase todo o chão. Estávamos bebendo café em uma tarde fria, sem proferir nenhuma palavra um ao outro, e então eu percebi... ele estava mais pálido que o normal, olhava vagamente numa direção oposta à minha, as mãos trêmulas e a respiração lenta.
- Vovô...? - falei com a voz calma e baixa, enquanto me levantava e tocava o seu ombro - o senhor está bem?
- Meu filho... - ele falou sem desviar o olhar - seja sempre gentil. O destino... ele gosta das pessoas gentis.
- Eu vou ser sim, vovô.
- Se você for gentil... - a voz dele foi ficando mais fraca a cada palavra que dizia - ...o destino vai sempre ser o seu melhor amigo. Mas se você for imprudente, Josh, tudo irá conspirar para a sua ruína. Você não pode ficar dentro dos dois lados... você precisa se decidir.
- Por quê diz isso agora?
- O meu tempo está acabando, Josh. - ele me olhou nos olhos, e eu pude perceber que havia tristeza nos seus - tudo o que eu fiz aqui foi para te tornar um sábio, mas eu falhei, fui imprudente, e este é o meu destino.
- A ruína...? - sussurrei.
- Exatamente, meu garoto. E para que o seu destino possa ser concretizado, eu não posso estar aqui.
- Ei, não fala isso.
- Eu tenho que te falar. Eu vi você desde o seu primeiro passo, até o seu primeiro chute ao gol. Te vi chorar em silêncio quando voltava da escola. Eu vi você se tornar um homem espetacular... mas eu fui proibido de amar você. O destino... ele me proibiu de amar você. A nossa relação teria de ser apenas como a de um professor e um aluno. Sem amor. Mas eu fracassei, e o meu fracasso vai gerar sucesso em você, eu acredito.
- O destino te proibiu de me amar?
- Sim... e eu realmente não queria que isso acontecesse, meu filho. O meu pai - ele voltou os olhos para o mesmo lugar vago - ele não me amou, ele cumpriu o papel dele. Foi o meu professor... e quando ele me disse o que eu estou te dizendo, eu comecei a pensar que não conseguiria fazer o que ele fez... e eu não consegui. Eu não fui o seu professor, eu não te tornei sábio. Você pode me perdoar?
- Perdoar o senhor? Te perdoar pelo quê?
- Você deveria saber pelo menos metade do que eu sei.
- Fica tranquilo, o senhor me ensinou bastante.
- Não... não foi o... suficiente.
  Por um descuido, o copo que ele segurava com dificuldade, caiu no chão. Logo após, quando tentou pegar, ele também caiu.
- Vovô? - com muita dificuldade, consegui levantá-lo e repô-lo à cadeira. - o senhor se machucou?
- Ah, meu filho. - seus olhos brilhavam enquanto ele passava a mão em meus cabelos -eu te amo tanto!
 
... e essas foram as últimas palavras que ouvi o meu avô dizer. Trinta minutos depois disso, eu e minha avó estávamos sentados na recepção do hospital, esperando algum enfermeiro dizer que o Sr. Eli passa bem e que está em uma sala nos esperando.
  Mas o que aconteceu foi totalmente o contrário. Depois de muito tempo esperando, um enfermeiro veio ao nosso encontro, dizendo que sentia muito pela nossa perda, e que ele foi forte até o último suspiro.
  A minha avó desabou. Ficamos mais de cinco minutos abraçados naquele lugar abarrotado de pessoas, ela chorando em meu ombro e eu acariciando seus cabelos de algodão.
- O que é que a gente vai fazer, meu filho? - ela disse à mim quando tornamos a nos sentar. - ele era a única pessoa nesse mundo que eu não esperava perder assim, de uma hora para outra.
- Vai ficar tudo bem, vó... vai ficar tudo bem.
- A senhora é a Sra. Elizabeth? Esposa do Sr. Eli? - um médico se sentou ao lado dela.
- Sim... - a vovó falou enquanto limpava as lágrimas dos olhos.
- Pode me acompanhar?
  Os dois atravessaram uma porta larga que dava acesso aos quartos e sumiram do meu campo de visão.
  Fiquei ali sentado, cabisbaixo, me esforçando ao máximo pra não chorar na frente de toda aquela gente que ali se encontrava...
- Sinto muito pelo seu avô.
Me assustei. Olhei para a minha destra, havia uma menina de cabelos curtos e negros, olhos claríssimos e uma voz suave ao meu lado.
- Quem é você? - Falei mal-humorado, em tom de impaciência.
- Nem um ''obrigado"? - disse ela enquanto se levantava - entendo que esteja chateado, mas não é em mim que você vai descontar toda essa raiva.
- Desculpa... é que... - suspirei - o meu avô, ele...
- Não precisa dizer, sei que é complicado falar de alguém depois que essa pessoa veio à óbito. Por exemplo... minha bisavó acabou de falecer também.
- Que doença ela tinha?
- Chagas. E o seu avô?
- Eu nem sei te dizer. - voltei a encarar meus tênis.
- Tudo bem. Afinal, "para uma mente bem estruturada..."
- "A morte é apenas uma aventura seguinte." -completei.
- Exatamente. - disse ela, tentando, também, conter as lágrimas. - Nós vamos ficar bem, Josh.
- Como sabe meu nome?
- Nós estudamos música juntos desde que as atividades extracurriculares foram liberadas em nossa escola.
- Ah... é?
- Sim. - ela falou enquanto se levantava - por quê será que não estou surpresa?
- Surpresa?
- Não me surpreende você não saber quem eu sou. Afinal, estudamos juntos à quase três anos e nunca vejo você conversando com alguém.
- Sou muito seletivo em relação à amizades.
- Certo. Agora eu preciso ir.
- Sinto muito pela sua bisavó.
- Não sinta, não foi culpa sua. A propósito, me chamo Sofia.

O ÚLTIMO HOPE Onde histórias criam vida. Descubra agora