Eu acabei cedendo o meu casaco à Sofia, que andava a quase dez passos às minhas costas.
- Sabe... - quebrei o silêncio incômodo que pairava entre nós - eu não me importaria se você andasse um pouco mais rápido. Eu estou congelando.
- Ah, desculpa se eu sou mais baixa que você e tenho que dar dez passos enquanto você dá dois. - ela começou a correr, tentando me acompanhar.
- Deixa eu levar isso para você. - peguei a mochila que ela levava, que por sinal, estava bastante pesada - o que você leva aqui?
- Eu peguei alguns livros que deixava em meu armário... - disse ela enquanto corria mais uma vez - coisas inúteis, sabe?
- Ok, sei.
- Ei... quer andar um pouco mais devagar?- Chegamos. - Falei quando parei frente à varanda.
- Obrigada por me livrar das garras da minha mãe. - Ela falou quando atravessou a porta.
- Não foi nada. - falei enquanto colocava o casaco atrás da porta.
- Então... - ela se largou no sofá - o que você faz para se divertir aqui?
- Eu toco piano, jogo vídeo game e às vezes, só às vezes, eu faço telas.
- Telas? Tipo, pintura?
- Sim, mas não são boas, então...
- Posso ver? - os olhos dela cintilaram.
- Não são boas, já falei, e...
- Mas eu quero ver. - ela me interrompeu com voz de comando.
- Mas você não vai ver, Sofia. - falei calmamente- vou tentar melhorar e te mostro a minha galeria.
- Eu ouço uma voz diferente... - minha avó veio da cozinha - ...ah! Uma... menina?
- Pode voltar para a cozinha, vó. - eu falei antes que ela me fizesse passar vergonha.
- É... preciso terminar o meu... café.
- Café? - Falou Sofia, ficando de pé em menos de um segundo.
- Sofia, você não...
- Eu adoraria te ajudar, Sra...? - ela me olhou, como se me perguntasse o nome dela mentalmente.
- Elizabeth - falei - chame de Liz.
- Sra. Liz.
- Você... quer me ajudar? - minha avó perguntou, incrédula.
- Sim. Quero sim.
- Venha, minha querida... - minha avó abriu a porta para Sofia passar primeiro. - O Josh... ele nunca gostou de me ajudar, não na cozinha.
- É, eu entendo - Sofia falou - homens não gostam muito de cozinhar, não é, Josh?
Elas atravessaram a porta e me deixaram sozinho na sala, onde eu só pensava no que a minha avó poderia dizer à Sofia ao meu respeito.
Entrei na cozinha depois de dez minutos e elas pareciam estar em uma conversa amigável até demais.
- Ele sempre foi um menino esperto, o Josh. - minha avó falou enquanto mexia nas panelas do fogão.
- Pelo que a senhora me disse, ele parece ser um bom garoto.
- Ah, ele é.
- Vocês me dão vontade de vomitar. - brinquei enquanto pegava uma maçã. - O que a coroa falou para você?
- Nada demais. - pude perceber que ela mentiu ao dizer isso, mas não contestei.
Voltei para a sala de estar e me sentei ao piano.
- Não crie expectativas. - ouvi aquela voz grave novamente.
- Agora não é hora para você me dizer o que fazer, entendeu? - falei num sussurro, quase inaudível.
- Com quem você acha que está falando, garoto tolo?
- Você não vai me manipular.
- Ah, não vou?
- Não.
- Escute aqui, seu miserável, aquela menina que você trouxe, não quer absolutamente nada com você e de você. Ela pensa que você é como uma válvula de escape. Então, é melhor você se afastar dela, antes que eu afaste vocês dois.
- Você não decide por mim, e nem vai se intrometer em minha vida, porque se você pensa que eu vou deixar você tomar o controle dos meus pensamentos e atitudes, está muito enganado.
- Eu sou o melhor para você.
- Isso quem decide sou eu, agora saia já daqui, elas podem voltar a qualquer minuto.
Naquele momento, senti uma forte dor em meus ouvidos, tentei gritar, mas nenhum som saiu da minha boca. Tentei me levantar, mas eu não conseguia me mover...
Acordei de um susto, a noite havia caído e eu estava deitado no chão, ao lado do piano. Havia um cobertor sobre mim e um dos meus travesseiros debaixo da minha cabeça, que por sinal, doía muito.
Fiquei imóvel por alguns instantes, tentando entender o que havia acontecido algumas horas atrás... mas eu não conseguia me lembrar de nada.
- É isso que acontece quando você resolve me desafiar, garoto. - a voz ecoou por toda a sala.
- Fala sério, que merda foi essa que você fez? - falei enquanto me sentava.
- Você se alterou, e isso eu não vou permitir. Quem dita as regras sou eu, quem manda em você sou eu. Sim, eu vou me intrometer em seus pensamentos e atitudes. Sim, você vai fazer tudo o que eu te mandar.
- E como, supostamente, você vai me obrigar a fazer o que você quer? Vai tirar todos os meus sentidos de uma vez só?
- Por que você é tão difícil de lidar?
- Eu não sou sua marionete, é difícil de entender? Eu quero ser um adolescente normal, um músico normal. Não quero passar toda minha vida dependendo de você e das suas ordens.
- Você é tão jovem, porém, tão tolo. - disse ele com a voz calma - tudo o que eu faço é dar sabedoria aos humanos e um manual de como usá-la... e é assim que me retribuem.
- Você é injusto. E apenas você não enxerga isso, ou talvez sim e se faz de tonto. Você dá à uma certa pessoa a escolha de seguir você, ou ir contra você, certo? CERTO?
- Certo.
- Só que o seu ego fala tão alto que se essa pessoa não fizer o que você manda, você acaba colocando a vida dela num buraco.
- Eu já te disse uma vez, eu vou dizer novamente: eu sou o melhor para você.
- O melhor para mim? O melhor para mim é ficar bem distante de você.
- Você despreza a minha sabedoria. Só estou insistindo em você, porque é o último da sua geração.
- Por que não me deixa e vai procurar outra família?
- Eu faço as regras e as sigo, assim como você também vai seguí-las.
- Me faz um favor? - me levantei.
- O que quer?
- Que você me esqueça.
- Josh? - minha avó acendeu as luzes - você está bem?
- Estou, vó. - peguei a coberta e o travesseiro - Só tive uma conversa desagradável agora a pouco.
- Eu ouvi você gritar... por isso vim aqui ver como estava. O que ele disse à você?
- Nada demais. - eu estava furioso - Agora, se me der licença... eu tenho aula amanhã.
- Boa noite. - ela falou com meiguice, me deu um sorriso e voltou ao seu quarto.
Enquanto ela dormia, eu pensava no que a Sofia poderia ter pensado quando me viu estirado no chão e o que ela fez quando me achou daquele jeito.
"Ela vai tirar sarro de mim eternamente" - pensei. - "Por que isso tinha que acontecer comigo?"
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O ÚLTIMO HOPE
Science FictionO que fazer quando você é o último Hope que restou da sua geração? O que fazer quando o destino te escolhe como receptor de informações e te manda fazer coisas que, às vezes, aos seus olhos, parecem erradas? Sei que é difícil de acreditar e entende...