Quando os raios fracos do sol nascente atravessavam a janela do meu quarto, caí em mim e me dei conta de que não havia dormido aquela noite; eu estava exausto.
Me sentei na cama após alguns minutos, com fortes dores de cabeça e uma preocupação louca.
- Você não deveria ir à escola hoje. - o destino falou, calmamente.
- Fala sério, você vai começar a encher a minha paciência logo cedo? - falei enquanto me trocava.
- Só estou dizendo que você deveria ficar aqui com a sua avó hoje.
- E você poderia me dizer o por quê?
- Porque o pessoal do necrotério vai entrar em contato com a sua avó hoje, tolo.
- Quer saber, Sr. D? Que se dane. Você é quem deveria falar com ela, já que levou o seu marido.
- Eu tive os meus motivos, garoto.
- Então conte à ela os seus motivos.Quarenta e cinco minutos mais tarde, eu estava sozinho no ponto de ônibus do outro lado da rua. O vento gélido balançava meus cabelos e congelava as minhas vias respiratórias, meu casaco não estava quente o suficiente.
Me sentei no último lugar do ônibus e fiquei observando a bagunça que os outros alunos faziam, enquanto ouvia rhcp.
- Garoto? - Sr. D falou - Garoto!
- Não grita comigo, não no meio das pessoas. - murmurei.
- Te avisei para não ir à escola hoje, você vai se arrepender.
- Você me fez retirar os fones de ouvido pra me dar sermão? - coloquei-os novamente - Você não é a minha avó.
Descemos em frente à escola algum tempo depois, e o primeiro rosto que eu vi ao descer do ônibus, foi o de Sofia, ao longe.
Caminhei lentamente até passar pelo grupo de meninas em que ela se envolvia, sorri para ela sem dirigir palavra alguma, e ela sorriu muito. Até então eu não sabia se era de mim ou para mim, mas só ao entrar, eu descobri.
Todos ao meu redor estavam me olhando e rindo de mim, o que me incomodou bastante. Depois de mexer em vão no meu armário por vários minutos, fui para a sala de aula do meu primeiro horário... e como diria o Sr. D: "eu te avisei.".
Depois de muito esforço, consegui entrar no meio daquela aglomeração de alunos, e o que vi foi terrível: Várias fotos iguais (minhas) estavam coladas em fileira na parede do fundo. Nelas, eu estava deitado junto ao piano em minha sala de estar. "Este é o resultado de quem mistura drogas e masturbação". Essa frase estava impressa em cada foto que estava ali, pelos meus cálculos superficiais, vinte e cinco papéis de humilhação estavam naquela sala.
Em questão de segundos, rasguei tudo aquilo e enfiei de qualquer jeito dentro da mochila que eu levava. Eu estava furioso.
Andei rápido e tentando ao máximo ignorar todos os que estavam à minha volta, e tentando, também, deixar de lado o som de risos e piadas sobre mim. Empurrei a porta do banheiro numa fúria tão intensa, que ela bateu na parede e voltou.
- Pode falar, sr. D. - falei enquanto abria um box e jogava as fotos dentro da privada - Pode falar que me avisou.
- Tem um garoto dentro de um dos boxes, seu tolo.
Abri um por um, até achar um garoto magricelo, de cabelo e olhos claríssimos, e de aparência anêmica, ele vomitava sangue e tinha uma seringa pendurada em um dos seus braços.
- Que merda você fez, garoto? - falei enquanto o levantava e levava até a pia - Céus, olha o seu estado.
- A minha... namorada... - ele jorrou sangue dentro da pia - ...ela terminou comigo e eu fiquei muito... mal.
- E por isso você decidiu se drogar?
- Um amigo meu disse que isso iria me ajudar.
- Tem uma garrafa com água dentro da sua mochila - o sr. D falou - pegue-a, dê à ele.
Abri a mochila as pressas, tirei uma penca de cadernos até encontrar a tão preciosa garrafa; dei a ele.
- Eu estou com tanto frio... - disse ele enquanto levava as mãos trêmulas à garrafa.
- Quem foi que fez isso com você?
- Um amigo meu conseguiu heroína com um dos amigos dele, então depois disso, me disse que me ajudaria à esquecê-la. Mas...
- E como é o seu nome?
- Asher... John Asher. - ele vomitou mais um pouco - e você, como se chama?
- Josh. Você deveria saber o meu nome, depois do que aconteceu comigo.
- O que aconteceu com você?
- Você vai saber daqui a pouco.
- Ok - ele vomitou mais.
- Quantas vezes você usou isso, cara?
- Sempre que eu lembro dela, eu uso.
- Quando vocês terminaram?
- Não sei, uns dois meses talvez...
- Dois meses? Você usa isso há dois meses?
- Sim... não consigo parar.
- Limpa todo esse sangue, vou te levar à um hospital.
- Você ficou maluco? - ele bateu a garrafa na pia- VOCÊ FICOU LOUCO, CARA?
- É o efeito da droga. - o sr. D falou, calmo.
- Acha que vou deixar você jogado no chão podre do banheiro de uma escola?
- Você nem me conhece, por quê me ajudaria?
- Eu vou te ajudar, você querendo ou não.
- Sinto muito, mas isso não foi uma resposta. - ele passou a mão suja no cabelo - Minha vida é uma droga... você... você pode puxar isso aqui? - ele estendeu o braço esquerdo, esperando que eu desatasse o nó da borracha que ele amarrara no braço e retirasse a seringa que pendia de uma das veias. E assim eu o fiz. - Se livra disso, cara. Não quero ver isso em minha frente.
Joguei tudo aquilo que ele estava usando dentro de uma das privadas e o ajudei a limpar toda aquela sujeira.
- Vamos sair daqui - falei quando ele se limpou - eu te pago um café e a gente vai para um hospital, certo?
Ele assentiu com um movimento de cabeça.
Os corredores estavam vazios, desertos. Aproveitamos a oportunidade e saímos as pressas.
O vento não estava mais gélido, estava quente. Os raios fracos do sol se tornaram mais intensos, o clima estava mais agradável.
- Você está bem, cara? - falei ao Asher, quando percebi que ele não estava ao meu lado, e sim, a mais de vinte passos atrás de mim.
- Só... só estou com frio. - ele se aproximou - onde vamos primeiro?
- O que você quer beber?
- Qualquer bebida quente que você puder pagar.
- Aqui perto tem um café, quer ir até lá? - ele assentiu novamente.
Chegamos alguns minutos depois, e, por sinal, o ambiente estava abarrotado de pessoas.
- Você quer uma mesa aqui, ou vamos para outro lugar? - perguntei depois de ter feito os nossos pedidos.
- Vamos para outro lugar, aqui tem muita gente.
- É, também acho.
- Senhores, o pedido de vocês. - a atendente chamou nossa atenção.
- Ah, obrigado. - Asher falou enquanto avançava ao copo.
Nos sentamos na praça mais próxima, a mesma em que me encontrei com Sofia, um dia antes.
- Então, Asher... - falei - o que a sua ex-namorada fez de tão grave com você?
- Sabe... - ele bebeu um pouco - ela não ligava muito para a nossa relação. Uma noite, eu a chamei para ir em uma festa que um amigo meu ía dar, só que ela negou o meu convite porque disse que precisava estudar. Eu não insisti e acabei indo sem ela.
- E o que aconteceu?
- Aconteceu que eu a vi na festa. Ela estava lá e estava aproveitando muito... e pelo que eu pude ver, ela me traiu com cinco caras. Depois disso, nós terminamos e eu fiquei me perguntando: "Será que ela já fez isso antes? Com quantos caras ela já me traiu?". Perguntas que nunca obtive respostas.
- E quem era essa garota?
- Sofia Victoria. Ela é líder de torcida, e líderes de torcida fazem isso com caras como eu... e você.
- Por que me incluiu?
- Porque aquela Sofia que te humilhou na frente da metade da escola, é a mesma pessoa que me fez cair no mundo das drogas.
- Que merda.
- É. - Ele tossiu.
- Vamos, vou te levar à uma hospital.
- Eu não quero ir.
- Ou você vai comigo, ou eu ligo para uma ambulância. Você vai ter que vir de um jeito ou de outro.
Andamos lentamente até chegar num hospital mais próximo, onde ele entrou vomitando até não poder mais. Um enfermeiro veio às pressas, pedindo para que eu esperasse alguns minutos naquela sala, até poder ver o Asher novamente.
Me sentei e fiquei oscilando minha atenção de um relógio velho e quebrado na parede oposta, para duas mulheres que limpavam o vômito do Asher.
Depois de quase uma hora sentado naquele banco duro, o enfermeiro do Asher veio até mim:
- Você deve ser o Josh. - ele retirou as luvas e apertou minha mão.
- Sou sim, o Asher está bem? - me levantei
- Ah, ele está se recuperando bem. Me diga,meu jovem, o que aconteceu com ele?
- O que ele diz que aconteceu?
- Disse que bebeu demais, mas nós dois sabemos que isso não é verdade. E para que eu possa aplicar o tratamento correto, preciso saber o que realmente aconteceu.
- Eu o conheci hoje. Eu fui até o banheiro da escola e ele estava jogado no chão... usando heroína e quase banhado de vômito.
- Usuário de heroína... eu suspeitava. - ele retirou os óculos que usava - Receio que terá de ir para casa, garoto. O procedimento que será realizado no seu amigo é bastante complexo e demorado.
- Posso vê-lo antes?
- Sim, claro.
Atravessamos uma porta verde enorme, passamos por várias portas, onde eu conseguia ouvir choros altos de crianças e até idosos. Aquilo tudo parecia um filme de terror, dos piores.
- Aqui. - ele bateu na porta de número quarenta, obteve resposta de uma mulher do lado de dentro, nos mandando entrar.
- Asher, você está bem? - falei quando o vi deitado, quase desacordado, com um tubo em cada braço, recebendo algum tipo de soro. -cancele o procedimento, Thaís.
- O que houve? - ela perguntou, pondo-se de pé em menos de um segundo.
- O nosso paciente aqui - ele bateu levemente na perna imóvel do Asher - é um usuário, não um bêbado.
- Ah, ok. - ela riscava freneticamente uma folha na qual anotava algumas coisas - avisarei as outras enfermeiras.
- Tudo bem - disse ele - deixarei vocês sozinhos por cinco minutos, e depois disso, você - ele apontou para mim - vai para casa.
Assenti.
- Você é um filho da mãe, sabia? - o Asher falou com dificuldade - o que eu vou dizer para os meus pais se eles me virem estirado nessa droga de cama?
- Conte para eles, se quiser, eu te ajudo.
- Ah, ok. Vai dar uma de Santo prestativo, é?
- Olha, Asher, eu trouxe você até aqui para que ficasse bem, para que eles pudessem purificar você e te devolver a vida que você tinha. Não sente saudades de como as coisas eram antes desses dois meses?
- Na verdade, sim.
- Pois é, não precisa me agradecer. - falei com ironia.
- Obrigado, Josh. - disse ele - Você foi o único que se preocupou com isso, mesmo não me conhecendo. Obrigado.
- Bom, eu vou estar aqui para quando precisar de mim.
- Precisarei de você aqui amanhã pela manhã, tem como você vir?
- Vou matar os dois últimos horários de amanhã e venho aqui ver como você está, ok?
Ele assentiu e apagou.
Algumas horas depois, eu estava na porta da escola, esperando e desejando que o meu ônibus passasse logo, e não demorou muito, depois de exatos quinze minutos, eu me sentei no mesmo lugar em que estive da primeira vez. Olhei para a janela e comecei a imaginar o por quê de Sofia ter feito aquilo...
"Por qual motivo uma pessoa trai quem ela ama?" - pensei.
- Ninguém trai quem realmente ama, por essa, e outras razões, não lido com o amor. -o Sr. D falou calmamente, enquanto eu tentava entender tudo o que havia acontecido.
"Então você pode ler meus pensamentos...?"
- Claro - disse ele - e apenas você pode me ouvir.
"Sr. D., acho que entendi o por quê de você ter mandado eu não ir à escola hoje."
- Falei para você não ir, para que você fosse. Afinal, tudo o que eu te mando fazer, você faz o contrário.
"Então esse era o meu destino? Salvar o Asher?"
- Exatamente. Você cumpriu sua primeira tarefa mesmo sem saber que, na verdade, era uma tarefa.
"Sei..."
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O ÚLTIMO HOPE
Science FictionO que fazer quando você é o último Hope que restou da sua geração? O que fazer quando o destino te escolhe como receptor de informações e te manda fazer coisas que, às vezes, aos seus olhos, parecem erradas? Sei que é difícil de acreditar e entende...