"Tu ainda estás bebâda com certeza!" respondo, ela continua estática olhando-me, linda. A minha doutora.
"Estou a brincar parvo"
"Estás? Não gostavas de o ser?"
"O que te leva a pensar que gostaria?"
Ela deixa-me confuso de todas as maneiras, mais confuso que a cocaina ou a heroína que me estouram os neurónios mas que deixam muito leve, com capacidade e coragem para lidar com o mundo inteiro.
Às vezes penso no que ganharia se fosse normal, se não fosse um drogado e se não tivesse uma Evelyn que me ajuda e que me fode com os neurónios também... Às vezes, eu queria a minha familia aqui, no lugar onde deveriam estar mas por agora apenas uma pessoa chega para mim. A nossa vida é sobre quem permanece apesar de tudo, apesar do tempo, apesar dos tombos. É sobre quem deixa deitar no colo e faz carinhos no cabelo enquanto as lágrimas passeiam no rosto. É sobre quem segura a mão e ajuda a colocar os pedacinhos quando estamos quebrados. É sobre quem oferece abrigo, apoio e compreensão.
Sobre quem pergunta como estou e só depois o que aconteceu. Sobre quem já foi atingido pela bomba que eu sou mas não saiu do meu lado. É sobre quem decifra o que estou a sentir só de encarar-me nos olhos. Sobre quem conhece os meus medos. É sobre quem sabe quais são os meus lugares favoritos e não hesita em convidar-me para ir com elas. Sobre quem não julga os meus dramas e oferece o seu silêncio e a sua companhia até que passe, até que eu me acalme.
"Conta-me mais sobre ti!" ela pede, ignorando tudo o que havia dito anteriormente.
"Não tenho muito para dizer!" olho em volta, tentando evitar a pergunta de mão cheia.
"Eu sei q...."
"Não, caralho" o meu tom eleva-se, vejo nos seus olhos arrependimento e uma certa desilusão. Fodasse.
Ela vira costas, deixando-me no meu mundo estúpido e vazio. Alcanço o maço de tabaco e acendo em tom veloz um cigarro. A Evelyn encontra-se sentada na cama sem nenhum sentimento promeniente.
"Tudo começou demasiado cedo, mas continuou como se fosse normal." Digo, sem olhar a sua bonita face, quase num susurro desesperado que há muito desejava sair. "Toda a gente à minha volta consumia. Como trabalhava no mundo ilusivo da fama nunca me faltou o dinheiro...foi tão fácil!"
É verdade, eu nunca me visualizei assim. Se alguém me disse-se que aos 20 anos ia consumir cocaína e heroína, compeltamente agarrado nunca acreditaria, se alguém me dissese que ia passar três anos num bairro holandês degradado a pedir 10 cêntimos para comprar uma dose, eu não acreditaria. É vergonhoso. Mas eu vi pior, o meu rosto reflectido num espelho que mostrava o ser humano em que me tornei.
"Tinha a droga à minha frente e já consumia só pela frustração de não conseguir parar de consumir."
"Tu não precisas de.."
"Preciso de deitar esta merda toda para fora" berro.
Apesar do pouco tempo que vivi sem drogas, fui feliz. ... Foi bonito o que vivi, teve um encanto curto mas bonito. Sempre quis ser mais. Querer mais. No entanto, a única coisa que quis logo a seguir foi a droga, sempre ela.
A Evelyn tornou tudo tão fácil. Eu pensava que ia custar voltar a apaixonar-me, mas ela conseguiu encantar-me naturalmente e eu deixei-me levar involuntariamente... E eu sinto tanta reciprocidade nas suas atitudes, olhares, palavras ..que mete medo. Medo esse que talvez a tenha feito abrandar e depois retroceder. E quanto a isso só lamento.
"As drogas eram o meu refúgio, encontrei ali a solução para aquilo que eu achava que eram os meus problemas. Fui usando cada vez mais e mais, ao início nas costas da minha família, aproveitei-me do dinheiro para levar o tipo de vida que queria".
Sinto o seu olhar fixo no meu e tenho vergonha do que vou contar a seguir.
"Eu tenho um passado fodido Evy."
"Não importa para mim, não tens de o fazer Zayn"
"Quando voltava ao bairro, estava lá tudo à minha espera, os mesmos dealers, a mesma droga. Sai de casa. Nesse período cometi insanidades tremendas, coisas que não me orgulho de ter feito, os danos que causei a mim próprio e a terceiros." As lágrimas espreitam pelos meus olhos, rapidamente, mais do que eu queria. "A minha namorada da altura prostituía-se para usarmos drogas, é algo de que tenho vergonha. A nossa vida girava à volta de um pacote, fazíamos tudo e mais alguma coisa por um pacote",
"Hum, Zayn n..."
"Cala-te! Deixa-me terminar!"
"Acabei também eu numa espiral autodestrutiva em que fiz tudo aquilo que não tinha feito no início: roubei, fui posto fora de casa diversas vezes, vivi na rua, fiz tudo aquilo que nunca tinha pensado vir a fazer, perdi toda a dignidade. Sabes o que é isso?"
Ela assente como se compreende mas raios, ela não compreender. É impossivel.
"Caralho, Evy. Não sejas hipócrita. Não compreendes!" eu aproximo-me dela vagoramente. "É um percurso difícil voltar a reconquistar a confiança das pessoas, a nível financeiro perdi tudo. Sem falar no estigma de ser toxicodependente, das portas se fecharem na cara, de os meus pais deixarem de acreditar em mim".
"Zayn, tu não és um má pessoa, apenas porque viveste essa merda toda! Tiveste a infelicidade de cair nessa merda, mas agora é tempo de dar a volta ok? Não é com lamentações que vais ser livre!"
"Nunca vou ser realmente livre, as memórias vão ficar aqui"
Vão mesmo. Os delírios depois de cheirar, o coçar o queixo e a tosse. A linha que escolhi era igual à do lado. E às outras duas mais ao lado. Começava na tal sala, com individuos desconhecidos, por entre gargalhadas e conversas parvas. Depois vinham as festas, os desfiles, os anúncios na televisão, os concertos, a banda, as festas, a fama. Como é que eu deixei escapar o mundo por entre as mãos?
Ela abraça-me forte como se isso dependesse de algo, como se o mundo fosse acabar e eu fosse a única coisa que ela iria salvar. Eu sei que ela é um anjo, tenho pena de não conseguir dar-lhe tudo o que mereçe.
"Eu gosto de ti Zayn. És um sobrevivente" ela diz, beijando-me sem mais palavras.
Continua...
Olá!!!! Peço desculpa pelo atraso!!! Aqui está um novo capitulo amores. Não está nada de especial mas pronto!!!
Espero que gostem :D
Comentem, votem e partilhem <3
Beijinhos no coração <3
VOCÊ ESTÁ LENDO
Junkie - The Other Side | | Z.M
RomansaZayn Malik chegara à cidade havia três anos. Viajara três dias numa camioneta de Amesterdão a Bradford. Três dias de ansiedade, nariz tapado, pupilas dilatadas, dores, náuseas, espirros, bocejos. Para trás ficava uma história criminal que prefere es...