Ser bom fã não é só gostar de ir ao cinema. (Cf.: O sertanejo é, antes de tudo, um forte.) É preciso também saber ir ao cinema. O sujeito, por exemplo, que senta muito longe da tela, tem para mim o estigma do mau fã. A dignidade é sentar nas dez primeiras filas, variando a distância conforme o cinema a que se vai. No Metro, a boa fila é a quinta. Distância justa, a imagem bem no foco visual; perfeito. Já no São Luís gosto mais da terceira. São coisas. Agora: da décima fila para trás é positivamente indigno. Esses sujeitos então - a não ser em casos de força maior - que sentam lá nas cadeiras do fundo, me dão sempre uma impressão suspeita de que vieram ali para fazer quinta-coluna. Há, desses, uns fabulosos. Primeiro, se instalam para acomodar a vista. Pouco a pouco vão saltando, tal salmões, ao sabor das tentativas escusas junto às nereidas solitárias, até as filas da frente. Aboletam-se por várias vezes ao lado de inúmeras senhoras. Agora, o grande traço do mau fá é falar no cinema. O indivíduo, ou indivídua, que fala durante a projeção, merece a forca. E os há de variegadas espécies. Há os que lêem alto os letreiros, e esses são a peste. Há os sonambúlicos, que murmuram contra o vilão, torcem pelo "mocinho", avisam o herói do perigo que o espreita, engrolam pequenas frases a propósito de determinadas atitudes da heroína. São fãs idióticos, menos cacetes, às vezes até gozados. No entanto, dentro do tipo em epígrafe, o mais irritante é o que chuchota histórias que nada têm a ver com o que está passando ali. É uma especialidade de mulheres, que vão com amigas ao cinema, para fazer hora. "Porque dona fulaninha disse, patatá-patatá, nhé-nhé-nhé, au-au-au, ela está com um vestido, minha filha, UM AMORR!" Aí a gente vira,a cabeça para trás, olha a faladeira, pensa mal dela, pigarreia e volta à posição normal. O cacarejo se smorza, mas é por pouco tempo. Mulher tem uma facilidade fabulosa para passar por cima dessas coisas. É um animal de repetição. Se possui o mau hábito de não ter o dinheiro pronto na hora de saltar do ônibus, repetilo-á pelo resto da existência. É inútil. Trinta e duas pessoas com pressa que esperem. Outro mau fã de grande vulto é o que senta nas cadeiras da esquerda ou da direita, ficando de três quartos para a tela. São sujeitos que têm vocação para tabela. O chupador de caramelos é outro. É tchoc, tchoc, tchoc no ouvido da gente, como se estivesse andando na lama ou coisa parecida. O fã cuidadoso para desembrulhar balas também é um errado. O barulho do papel desembrulhado devagar é muito mais irritante que o de desembrulhar rapidamente e acabou-se a questão. E os casais enamorados, que desgraça! "Você gosta de mim?" "Gosto!" "Mas gosta mesmo?" "Mesmo!" "Muito?" "Muito!" "Mas jura?" "Juro, juro, juro, pronto, tá satisfeito?" Depois, dois suspiros fundos como os cariocas no último jogo com os paulistas (eu sou carioca, vejam lá!). E recomeça: "Mas você gosta mesmo?... Etc...".
A fauna é grande. Poderia citar muitos outros casos. Mas percebi, de repente, que nada disso tem a menor importância diante da lua que está no céu. Preciso apagar a luz, ficar quieto vendo a lua. Sou um bom fã de cinema, mas muito maior da lua. Hoje ela está cheia e ausente, imparticipante. Me perderei de tudo, olhando a lua.
1943
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O melhor de Vinicius de Moraes
PoesiaVinícius de Moraes é conhecido do grande público sobretudo pelas letras de músicas que compôs e que se tornaram verdadeiros clássicos da MPB. Mas, antes de desenvolver essa veia popular, Vinícius já se consagrara como poeta da mais alta qualidade li...