O smorgasbord é uma espécie de hors-d'oeuvre ou antipasto mamútico quase tão complexo como a palavra, do qual participam não só os ingredientes usuais, quais sejam fatias de presuntos, saladas de batata com molho de maionese, anchova, sardinha, azeitonas recheadas, feijão à moda de Boston, caviar, queijo rockfort amassado, pirão de castanhas, frutas secas, o diabo - tudo o que se possa imaginar em matéria de cozinha apetecente. Fica geralmente colocado sobre uma mesa imensa, numa legião de pratos e travessas comprimidos entre plantas exóticas, enquanto as pessoas à volta, todas possuídas dessa polida animosidade que existe entre os que servem de pé e os que andam de elevador, se atravancam para alcançar o caviar luzidio ou o untuoso patê.
É freqüente se ouvir frases como esta, em, geral ditas por senhoras: "Será que ela pensa que é dona de toda a mesa?" Até cadeirada pode sair em torno de uma mesa de smorgasbord. É comida demais para tão curta vida, e desperta uma gula artificial, nos circunstantes. Em geral ninguém come muito, devido à pletora. A mim, por exemplo, me dá uma completa gastura.
Duas vezes na minha vida tive que enfrentar mesas de smorgasbord, no estrangeiro. A verdade é que sou um homem de simples comer, podendo perfeitamente cumprir meu tempo no feijão com arroz, bife, batata frita e um ovo quente, a um canto do prato. Naturalmente, tutuzinho à mineira de vez em quando, com uma lingüicinha bem fritinha, ou um torresminho todo crespinho não caem mal. Sabe como é, não é: também não pode ser toda a vida o mesmo prato. Um homem precisa variar de comida. A pessoa necessita até de pratos estupefacientes, como as estupendas sirizadas que levam horas, as grandes feijoadas, com uma laranjinha bem azeda para cortar, e uma cachacinha para já ir resolvendo a parada, ou um cozido desses que levam bastante paio e bastante banana, ou uma boa peixada, regada com bom azeite e um vinhozinho verde do lado - ah, meu Deus! ou uma bouille-abbesse com todo o mar dentro, e de quando em quando um vatapá feito com muito carnarão seco e um pirãozinho de fubá de arroz, fritinho que é para misturar bem na boca com o quente da pimentinha que se vai pondo, ou um caruru que também é boa comida, havendo-se antes entrado numa meia dúzia de acaraiés para forrar o estômago.
Mas eu tinha qualquer coisa para falar que já não me lembro... Ah, já sei. Era a propósito de Sansão e Dalila. Eu me lembrei de Sansão e Dalila, depois me lembrei de smorgasbord.
O que eu queria dizer, em resumo, é que Sansão e Dalila é um verdadeiro smorgasbord. Bom apetite, pois.
1951
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