CRÍTICA INÚTIL

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Não é dizer que seja má vontade, leitor amigo. Pelo contrário, tem sido nessa coluna qualquer coisa assim como o boneco que Disney criou para fazer a consciência de Pinóquio. Até hoje pago os meus cinemas por tua causa, quando era tão fácil arranjar entrada de carona; e nessa como em outras, mostras que tens freqüentemente sido mais amigo da onça do que meu.
Uso do que posso para te distrair o espírito; mesmo quando o filme criticado não pede mais que um qualificativo insultuoso para a sua caracterização; ivento, escrevo grandes leros, tudo para que não tem veneno com a estupidez do cinema que se exibe. Se aparece qualquer coisa de bom, meu Deus, escrevo laudas cantando loas, a ponto de fazer o desespero de meu caro amigos Barros Vidal, secretário da casa, cuja luta por espaço vital assumir às vezes tons patéticos.
Não é má vontade, leitor, meu semelhante, meu irmão. Mas que se pode fazer diante de Glória Warren cantando há 105 dias "Sempre no meu coração"? La-la-ri...la-ri...la-rão... a melodia endêmica, que me dá suores frios, me faz ver azul na minha frente; que me afastou por uma semana da vitrola do café vermelhinho me trancando em casa presa de "cochemares" negros; que eu proibir expressamente às empregadas de minha casa de cantar; a melodia que eu detesto, ó leitor que a alimentas com os teus cinco cruzeiros e cinquenta...
Serão reprises? Eu já não sei mais nada. Sexta e sábado vaguei em busca de uma maneira de cumprir do melhor modo o meu dever. Na noite do passado... Sempre no meu coração... A dama das Camélias... Casablanca... Sempre no meu coração... Adeus, meu amor... Sempre no meu coração... Sempre no meu coração... Sempre no meu coração... "Sim, minha querida amiga, estarás sempre no meu coração... Teus olhos felinos têm carícias fraternas, nas pupilas... És jovem, pequena, súbita, e paciente... E quando algum dia eu me for, oh! guarda no mais fundo da tua lembrança a memória do nosso primeiro encontro... Porque estarás, agora como para a eternidade, na alegria como no sofrimento... (entra o violino): SEM-PRE-NO-MEU-CORAÇÃÃÃOOO..."
Há Abbott & Costello, vivóó! Fui vê-los segunda feira, no Astória. Evidentemente, leitor doméstico, deves ir também rir das piadas, que estás farto de conhecer. Eu por mim não via filme novo a tanto tempo, que até me divertir. Entrementes, recolhe as tuas energias, que Em busca do ouro de Chaplin vem por aí, e isso sim, vai ser uma festa para esse cronista. O mínimo que te posso dizer é que é genial. Mas se eu fosse tu, leitor de onde quer que sejas, homem do povo, não toleraria preços especiais para ver Carlitos. Carlitos pertence ao povo, é o teu herói. Nem que fosse preciso fazer uma grande safarrascada, leitor comunista.

c. 1943

O melhor de Vinicius de MoraesOnde histórias criam vida. Descubra agora