02 | hair dye

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        A PALAVRA ''GRANDIOSA'' pode ter diversos significados, em diversas perspectivavas

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        A PALAVRA ''GRANDIOSA'' pode ter diversos significados, em diversas perspectivavas. Quanto mais velho ficava, mais razões se afloravam, elas revezando-se em envolver Ayla em meus planos. Era um ima inconsciente, a maioria dos meus planejamentos estava ela.

Os gritos ensurdecedores da platéia me acordavam de um apagão, no meio da apresentação. Encarei a multidão de pessoas, os flash's de seus celulares cegando-me mesmo que os holofotes do palco estivessem apagados, o mar de mãos levantadas e algumas puxando meu corpo dopado, era surreal. Os fãs clamavam por meu nome, de forma que percebesse com mais clareza: meu sonho estava concluído, porém, não me sentia nem um pouco realizado.

Não precisava ser um ótimo observador para perceber minha situação, e o quão próximo estava de romper. O microfone mal era sustentado pelas minhas palmas trêmulas e suadas.

Eu me sinto morto... — Apoiei-me na mesa de som antes que viesse a cair, cantando o refrão de hair dye como um desabafo. Como o esperado, o público aplaudiu em um delírio massivo, realmente interpretando de um jeito legal. Agradeci pela presença deles, tendo certeza que não entenderiam sequer uma palavra daquele discurso improvisado graças a minha péssima dicção, finalizando mais um show em Los Angeles.

Só queria fugir, descansar e não pensar tanto no dia seguinte.

— Experimente isso, Peep. — Bexey ofereceu-me uma das suas dezesseis carreirinhas de cocaína, me colocando em um desconforto instantâneo. Ousar colocar mais uma substância em minha corrente sanguínea seria suicídio, não poderia sofrer mais uma overdose. Não naquela noite. Acabei negando, enquanto apanhava meu casaco no estúdio de música. O garoto acabou ignorando minha resposta, como sempre fazia, insistindo: — Amanhã é Halloween, você ama essa data e logo será seu aniversário. Podemos ir a um clube, escolher umas góticas e cheirar um pouco. Diversão, Peep!

Perdi as contas de quantas vezes havia ouvido aquele papinho sujo, principalmente quando vinha de meus ''amigos''. Era sempre a mesma e repetida situação, de: ''tome um gole desse'', "utilize isso, a imprensa espera que o astro Lil Peep apareça drogado aonde quer que vá". Eles só sabiam almejar drogas, popularidade e dinheiro, tais ideias que tentava me livrar em momentos de lucidez, voltando ainda mais nojentas.

— Sinto muito. — Uma desculpa espontânea saiu de meus lábios, como se lhe devesse explicações; eu precisava mesmo me lamentar por não me submeter a mais uma noite de vícios? — Vou passar meu aniversário com minha mãe, quero estar sóbrio.

— Você vai voltar para aquela cidade pequena e triste, sem saber de nada. — Bexey acenou, entregando-me um olhar cheio de críticas. — Você odeia aquele lugar, aquelas pessoas... Sem contar, que sua ex namorada nem se importa mais com sua existência. Qual é, irmão? Essas drogas estão te chamando, use cocaína e não adormeça nessas suas próprias mentiras distorcidas.

Bexey vivia me jogando contra a parede, em diálogos tóxicos. Odiava os abusos psicológicos e pressão que amontoavam as minhas custas; não iria permitir que isso continuasse. Dei de ombros, não levando em consideração nada do que havia dito.

Retirei-me esgotado do estúdio, assumindo o volante do benz truck e rumando pela escuridão da madrugada, a chuva gotejava agressivamente contra o para-brisa de modo que o limpador não desse conta de remover o conteúdo da chuva do vidro. Sabia bem onde acabaria parando e deixei-me ser engolido pelo temporal.

Durante a viagem, analisava as casas que estavam decoradas com temáticas assustadoras, os quarteirões, as praças, os jardins... Definitivamente amava a vibração do dia das bruxas.

Carregávamos uma lata plástica de abóbora, batendo de porta em porta à pedido de doces. Foi uma tormentosa noite de 31 de outubro de 2014 e não digo pelos sustos, pelos supostos maníacos que vagavam fantasiados pelas ruas ou semelhante, era um dia assustador pois sabíamos que com o termino do colegial, estaríamos separados. Voaria até Califórnia para fazer música e Ayla pegaria o trem até San Francisco, em busca da sua faculdade de artes.

O ar de insegurança conflitava entre nós naquela noite, era visível o impasse que tínhamos criado, ele destruindo nossas vontades de permanecer juntos.

Ayla aproveitou a ocasião para extravasar seus sentimentos confusos e intensos, jogando ovos em residências de desconhecidos, vandalizando a entrada do colégio com três rolos de papel higiênico, além de arrumar briga com um grupo de estranhos — a qual entrei também. Ela não sabia controlar a raiva, que ao mesmo tempo, parecia ser impulsionada por sua tristeza descabida. Era péssimo vê-la borbulhando em milhares de emoções, outrossim, alternando entre elas com desespero.

— Baby, isso não é justo. — Posicionou-se em meu colo, afundando sua cabeça em meu peito. Apesar da voz de choro, ela parecia determinada a não derramar uma lágrima na minha frente. — Sou uma bagunça...

— Não vai ser um adeus eterno, Lua. — Brinquei com as pontas de seu cabelo, que naquele mês tingiam-se em um ruivo interessante. Resolvi descontrair: — Você faz os garotos olharem para suas pernas, caso não me queira mais, pode arranjar um rapaz engravatado e sem tatuagens.

O fato de Ayla ser mais bonita, inteligente e talentosa que eu, me colocava numa combustão de orgulho e até medo. Às vezes, parecia inacreditável uma mulher como ela, com alguém como eu. O que tinha a oferecer, afinal?

— Não seja um idiota. — Riu baixo, encarando-me e depois as minhas tattoos, como se tentasse decora-las. Ela nunca as criticou, parecia apreciar cada pequeno pedaço de mim. — Vai se lembrar de mim?

— A única coisa boa que tive nessa cidade, foi a chance de te conhecer. — Disse o mais limpo que pude, tentando não dar brechas para que ela ou eu caísse nas garras da nostalgia. Desde que pisei em Long Beach, só tive recaídas e ela entendia todas elas. — A única coisa que posso me lembrar, é da incrível Ayla. Irei me lembrar do seu cabelo loiro, do cabelo preto, azul e o ruivo do Halloween. Você está na minha mente, não poderia me esquecer de nada disso...

Com a resposta, pareceu calma, até mais pensativa.

— Quando voltarmos, iremos deitar nessa mesma cama. — Sugeriu, retirando um canivete de seu vestido e riscando a cabeceira de madeira com a lâmina pontiaguda. A escrita marcava a inicial de nossos apelidos, ficando: ''L+P''. Sorri, ainda mais quando ela admitiu um de seus atos não corriqueiros: — Estive orando por você.

— Espero que aguarde por mim, também. — Beijei sua testa, e ela acenou positivamente.

— Pode ficar sóbrio, pelo menos uma semana? — Questionou-me assim que se deparou com as drogas no criado-mudo. — Não vou estar por perto, não quero que aconteça nada de ruim.

As preocupações dela sempre cativaram-me, uma empatia latente envolvendo-a quando se tratava de uso de drogas. Ayla enfrentava problemas com uma família desestruturada e sabia bem como compensar a ausência deles, assim como eu fazia. Em Long Beach raramente usávamos ilícitos pesados, o máximo que experimentávamos eram cogumelos e cigarros enroladinhos — os mesmos que chegávamos a vender em tempos de crise. Tão pouco precisávamos de um remédio ou alucinógeno quando tínhamos um ao outro.

Essa foi uma das promessas que honrei, apesar das inúmeras dificuldades que apareciam no caminho. A disse que largaria as pílulas e consegui por um bom tempo, o problema vindo quando enfrentamos a nossa primeira briga, discutindo sobre a distância, as festas natalinas que passaríamos afastados e sua indagação cortante: ''estamos terminando?''.

Mesmo que me esforçasse, seria impossível guardar qualquer sentimento negativo sobre ela. Eu amava até as nossas discussões, o jeito que ela perdia a cabeça, e a mesma forma que acabava: ''volte para San Francisco amanhã, fique comigo por hoje'' sabendo que a resposta seria sim.  

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