07 | the way i see things

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                 DURANTE MINHA VIDA INTEIRA tive acorrentado a mim a convincente sensação de que não estaria mais aqui no ano seguinte

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                 DURANTE MINHA VIDA INTEIRA tive acorrentado a mim a convincente sensação de que não estaria mais aqui no ano seguinte. Sóbrio ou drogado, presumia a chegada do fim, sonhando com ele há um bom tempo.

Era só o meu jeito de ser. O jeito que via as coisas.

As luzes estavam apagadas, o cômodo era iluminado por doze chamas acima das velas que deveriam simbolizar os meus 21 anos, posicionadas no centro de meu bolo de chocolate com morango. No escuro, pensava melhor e as lágrimas podiam ser derramas sem que as pessoas ao meu redor, as notassem: o tempo passou tão rápido, para onde ele foi? O gastei ficando chapado, enquanto me escondia da polícia. Não podia reconquista-lo; cada mês, cada estação longe daqueles que amava, não voltaria. 

— Apaga as velinhas e faça um pedido, querido. — Ayla sugeriu, assim que pararam de bater palmas e finalizaram a canção de ''feliz aniversário''. 

Antes que fizesse, encarei a minha família reunida em volta da mesa de doces, — os poucos com quem podia realmente contar, — vovô havia viajado por horas só para vir me ver; meu irmão Oskar deixou seus afazeres no trabalho, também se fazendo presente com Taz no colo; e a Ayla. Ela sorria tanto, os cabelos escorridos até os ombros, recém-lavados. Estava sendo abraçado por um lar verdadeiro, um que antes nunca me foi oferecido. 

Respirei fundo, fechei os olhos e soprei o fogo, ocupando minha mente com o que mais queria em minha vida. 

Aplaudiram de novo, enfim cortando o bolo e distribuindo-o nos pratos de plástico coloridos. Nunca tive uma festa como àquela, me sentia no céu, envolvido pelas inúmeras bençãos que poderiam estar causando-me tal felicidade. A tese que teria morrido veio ocupar meus pensamentos, a possível ideia de que teria sofrido uma overdose fatal de medicamentos e parado no paraíso, convencia-me ainda mais. 

— Então, Peep... — Ayla riu chamando minha atenção assim que passei pelo corredor que levava a sala, sentando-se no final da escadaria e retirando um punhado de bexigas de seu bolso. Me juntei a ela, esticando o látex e enchendo o balão com ar, até que estivesse enorme e bem amarrado. Na pausa para respirar, acrescentou: — O que pediu? 

— Fiz um pedido para a Deusa da Lua. — Repousei a cabeça no suporte do corrimão, observando-a. Ayla ainda tinha dificuldade em enrolar as pontas e prendê-las em um nó, sempre deixando que o oxigênio escapulisse entre os próprios dedos. Poderia assisti-la tentando, mil vezes. Jamais tinha sonhado que um dia poderia ter alguém como ela, mesmo tendo. — Mas, não irei contar a ninguém. As superstições dizem, que para funcionar precisa-se manter em segredo. 

Ela pareceu entender, tanto que se mostrou flexível. Mesmo que não dissesse, Ayla sabia exatamente o que havia imaginado, assim que apaguei as velas: ao contrário da resposta seca ''morto para caralho, dentro de um caixão, há muito tempo'', que dizia quando questionavam-me sobre meu futuro, precisamente com 86 anos, não existiam mais razões para querer falecer ou partir jovem. O amor preencheu os piores vazios que me habitavam, tão pouco, sobrava lugar para desejar a morte.

— Nunca vou desistir de você. — Sorriu, enquanto erguia seu corpo e depois o meu, puxando-me pelo pulso.

Fomos para o lado de fora, em meio a chuva, dançando abaixo das gotas pesadas que molhava-nos, tentando acompanhar o ritmo não tão alto da música que saía da sala de estar, uma das favoritas de Ayla: ''Blink 182 - I Miss You''. Eu costumava ver rostos na chuva, ansiando pelo momento que a teria em meus braços pela última vez, e melodicamente, ela se encaixava com perfeição em meu peito, como se tivesse sido criada para caber ali. 

— Podem te tirar de mim, mas nunca vou te deixar. — Acariciei sua face encharcada, explorando sua boca em um beijo nada apresso, intenso. — Posso te mostrar tudo que aprendi, enquanto esteve distante. 

Ao menos, as poucas coisas boas.

Porque, independentemente de como isso fosse acabar, queria fazê-la rir, queria reatar os sentidos, prazeres e razões pelas quais me foram tragas de volta, acerca de uma vida que poderia sim ter disfunções, mas uma vida da qual aproveitariamos um ao lado do outro.

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