Conhecendo lugares.

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Nunca estive em um avião no momento da turbulência. E nunca passei por um furacão. Tampouco sofri algum ataque terrorista como os que vêm acontecendo.

Mas agora, aqui, parado vendo essa cena tenho certeza que o pavor que sinto pode ser um pouco do pavor que essas pessoas sentem. O medo crescente, a vontade de correr, de acordar e perceber que foi um pesadelo. Talvez até mesmo o fundo de raiva por aquilo estar acontecendo com você.

Todas as vezes que vi Marcelo com ela, sempre os vendo apenas como um belo casal de amigos. Quantos pares de chifres eu não teria? Ele prometeu desfilar por esses mesmos corredores comigo, e agora cumpre a promessa com outra. Com ela!

Porque eu não fui o suficiente? Eu queria que as pessoas fossem mais compreensivas. Qual o problema em ser gay? Bi? Travesti? Ou o caralho que quisessem? Assim ele não precisaria ser tão medroso, poderíamos ter enfrentado o mundo juntos.

Quando ele a empurrou delicadamente na parede e trilhou beijos de sua bochecha até sua boca, meu mundo caiu. Eu não estava caindo, ao contrário, estou flutuando sobre um poço de dor, e eu sei que eu vou cair a qualquer momento, e eu irei me afogar.

Eu tenho que ir embora. Eu quero correr, chorar, mas também quero ir lá e acabar com isso, beijar Marcelo, talvez dar um bom soco em sua cara, ou até mesmo gritar com a safada da Karen. Mas não posso fazer isso, não é meu direito, eles podem fazer o que quiser. Belos amigos, não?

Sempre achei estranho o quanto ele tinha uma enorme dominância sobre Karen, ou seu ciúmes possessivo com ela, porque quando se tratava de mim ele nunca ligou. Às vezes os via saindo junto de lugares escuros, ou afastados, apenas os dois, mas achava normal. Afinal não queria ser o namorado psicótico.

Ele não teria sido capaz de fazer isso comigo, certo? Tudo bem, todos já foram chifrados uma vez, mas Marcelo é diferente, ele honrou o compromisso que firmamos, ele jamais teria feito algo tão desrespeitoso quando tínhamos uma relação tão bonita. Ele disse que nunca faria de novo, ele jurou pra mim.

Então fui embora, passei rápido pelo corredor, desviando das pessoas. Subi o capuz do meu moletom. Sai pelos portões que ainda estavam abertos, pois muitos alunos ainda chegavam, e corri.

Corri como um corredor profissional, como um veado corre quando esta sendo caçado na selva por um clã de leoas. Corri como só um homem fraco e quebrado correria para seu esconderijo.

Gostaria de ter algum tipo de lugar especial, como a praia, mas eu odeio praia, ou uma casa na arvore, uma casa afastada na mata, um barracão abandonado que eu descobri alguns anos antes, mas eu só tinha meu quarto.

Graças a todas as divindades meu pai já tinha ido para a empresa, então quando eu cheguei em casa tudo estava silencioso, assim como dentro de mim. Meu quarto era um eco da atual situação da minha alma. Vazio. Cheio de móveis, cheio de roupas, uma bela bagunça. Porém vazio, sem sentimentos, sem música, sem felicidade.

Eu não tinha tomado café, mas isso não me impediu me ajoelhar no sanitário e forçar com a velha escova de dente tudo o que havia dentro de mim. Mas dessa vez não existiu nem mesmo o alivio passageiro de antes.

Liguei o ar condicionado, o coloquei no mais frio possível, depois pensaria na conta de energia que viria altíssima, me enrolei em meu cobertor de pelos artificiais, deitei em posição fetal e chorei. Gritei, e chorei. E me engasguei. Chamei por Marcelo, por minha mãe, gritei ate mesmo por todas as pessoas que passaram pela minha vida e me descartaram, como sempre. Me descabelei, e fiz uma cena como nunca havia feito antes. Todo o autocontrole que prezei manter saia do meu corpo em forma da bagunça.

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