15 Anos Atrás
Janeiro de 2003
Um grito ressoou como uma onda invisível que se espalhou pelo grupo composto por quase trinta homens. Estavam todos muito bem agasalhados – casacos pesados, chapéus de frio e botas gastas, mas que ainda os protegiam da neve densa que estava abaixo dos pés. A maioria segurava armas variadas nas mãos calosas, desde facões a espingardas, e eram rodeados por cães de caça, tão raivosos como alguns de seus donos.
Bétulas de inverno estavam por toda parte, se estendendo ao alto com seus troncos esbranquiçados e ramificações carecas, e pequenas casas e cabanas completavam o cenário quase bucólico daquela parte da pequena cidade de North Folk. As mulheres e crianças não se faziam presentes, concentradas demais nos seus afazeres e afastadas por as julgarem fracas demais para participar daquele projeto, embora muitas concordassem com a causa.
— [...] Estão invadindo nossas terras atravessando os mares, querem roubar nossos empregos e se estabelecerem, aumentando a proliferação da própria espécie, superlotando nossas cidades com o falso pretexto de buscar abrigo. Entram ilegalmente, roubam, estupram nossas filhas e mulheres, e vivem como os verdadeiros animais que são...
Charles estava mais para trás, escutando cada palavra que saía da boca de seu pai. Um homem corpulento, de cabelos grisalhos e ferozes olhos azuis. O casaco de pele de urso o protegia do frio cortante, a ponta da bota pisava um tronco cortado e sua mão apertava a caçadeira preta.
— ... Os ratos têm mais valor que os vermes que ousam se aventurar por aqui. Pretos nojentos! Nem para escravos serviriam, pois estragam tudo aquilo que se atrevem a tocar. Acreditem em mim, camaradas, é nossa obrigação eliminá-los um a um, sem dó ou piedade, pois já esperam a morte quando se colocam em embarcações duvidosas e então a encontrarão nas nossas mãos! — Mardok era o líder da comunidade, sua voz imperiosa sempre era obedecida cegamente, pois o temiam mais do que respeitavam.
Não era um homem fácil, muito menos piedoso, e a altivez impregnada na postura e nos olhos que tinham tempo para encarar cada rosto ali presente, confirmavam aquilo que as vozes falavam nos sussurros da noite. Nos albergues entre os homens bêbados espalhavam que era a encarnação do diabo e as mulheres que formavam fileiras para receber água nos reservatórios próprios devido a escassez por conta do inverno, comentavam que aquele homem inclusive possuía uma marca da própria besta. Como sabiam? Era algo a desvendar.
— Matem-nos todos, não deixem que nenhum escape. A nossa cidade é distante, nenhum membro do governo ou da ONU poderá intervir nas nossas decisões. As vidas brancas são mais importantes, nenhum preto irá nos substituir ou tentar roubar os nossos recursos. — Mardok continuou, certo de que era escutado. — Do outro lado do mundo não era de nossa importância se morriam a fome ou com as doenças nojentas que carregam, mas agora estão se atrevendo a atravessar o oceano e pedindo para serem aniquilados. Chegou a hora!
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O Diabo Veste Terno
Romance"Enquanto caminha em passos lentos e precisos, sequer imagina que o passado a espera do outro lado da porta. Ele está pronto para fazê-la sua e devolver para ela todo o inferno que um dia o causou." A vida de Lara corre perigo, seu rosto inocente es...