🌷Kefálaio II🌷

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"Certos segredos devem morrer."

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COMERCIALIZAR NA CAPITAL de Ágapi era uma tarefa fácil. Seres de outros reinos e toda região agapiana passavam diariamente por ali, comprando produtos para venda e uso pessoal.

As frutas agapianas tinham os melhores sabores, os tecidos eram mais finos e elegantes que quaisquer outros e os perfumes emanavam um aroma quase divino. Tudo isso era como um chamariz sobre Nomá, atraindo os reis, rainhas e nobres de outros reinos, que mandavam que seus criados buscassem panos e essências sempre que era possível.

O difícil em Ágapi era ser guarda. O fluxo de cidadãos pela manhã e o entardecer era capaz de enlouquecer o mais bravo dos Stratiótes do Sol – agápianos escolhidos pela própria deusa para vigiar cada canto daquela imensidão durante o dia –, e a mais valente das Aspídes da Lua – mulheres agraciadas pela divindade para defender o reino durante o anoitecer, quando as sombras ameaçavam as almas.

E mesmo sendo trabalhoso assim, ser um soldado continuava sendo uma honra. As mães, em sua maioria, brandavam de alegria quando viam que os filhos tinham a marca na nuca. O Sol para os soldados do dia, a Lua para as protetoras da noite.

Era desta forma que o império mantinha a harmonia e o brio, porém, todos compreendiam que a paz e a honradez possuíam preços altos e, para alguns, mortais.

"Não há calmaria que não peça uma dose de sacrifício", era o que o líder dos anciãos recitava em todo recolhimento.

As crianças com o símbolo não eram apenas bebês, tratavam-se de guerreiros e guerreiras que precisavam ser treinados para ocuparem tais cargos no futuro.

Assim, divididos entre o choro e a alegria, os pais, muitas vezes vindos de longe, entregavam seus filhos ao Conselho de Anciãos, que tinha a árdua tarefa de conferir um por um quem iria fazer parte do Exército Real. Os que não eram aptos para a batalha, deveriam serem destituídos das suas responsabilidades.

"Corrompidos não merecem a marca", acreditavam eles. Afinal, o que era ser corrompido para os anciãos? Se os próprios deuses lhe deram as marcas, como eles poderia julgar quem a merecia ou não? Este, sim, tratava-se de um questionamento que ninguém em toda a terra ágapiana tinha coragem de sequer pensar. Já bastava o que conheciam, e o futuro, contanto que não atravessasse suas portas, secassem seus jarros d'água e suas cestas de comida, poderia perambular entre eles, escondido.

O povo só não imaginava que ele estava cansado de se esgueirar...

Dali, da capital de Ágapi, todas as crianças eram mandadas para o Isolamento – os akáthartos não, esses só a deusa mãe sabia o destino –, um local que apenas os mais antigos conheciam, e de lá só saiam quando estavam prontos a dar suas vidas pelo reino. Padecer pelo seu lar não era morrer, era transformar-se em lenda na memória do povo. Como sempre, os anciões preteriam deles verdades importantes.

Lendas também podem serem esquecidas...

Todavia, mesmo com todo esse preparo dos escolhidos da Lua e do Sol, nada fora bastante para impedir o que acontecera depois do quinto luar, no ano de 1898 d.M.

Quando o mês de Níkaia deu lugar ao de Circe, o primeiro fragmento de caos foi visto.

"Uma morte traz outra", diziam os mais sábios. E estavam certos.

Fazia alguns dias que tudo tornara-se caótico, e até a certeza de que os stratiótes e as aspídes os protegeriam e a honra de morrer pelo seu lar já não eram mais suficientes para conter o mal fora das muralhas de pedras e madeira.

🌷Xióvi🌷 - A lenda das que se perderam (EM ANDAMENTO)Onde histórias criam vida. Descubra agora