O Sangue do Impuro

Prefácio

Dentro da floresta densa, perdidamente desesperada, Lareza corria sobre o solo carregado de magias. Tentava manter o equilíbrio mesmo com a lama e o sangue esparramados pelo chão. Atrás dela, uma sombra desconhecida tomava conta da distância entre elas. Como se não bastasse, surgiu um barranco em seu caminho. Tão escuro que não dera tempo de ver. Tão escorregadio que não dera tempo de se segurar. E a garota loira escorregou barranco abaixo.

A sombra se aproximou rapidamente, pronta para leva-la. Puxava a menina pelos pés, sugando-a, quando ela virou-se com as mãos erguidas a sua frente, por puro desespero. Seus braços vibraram fortemente, passando um arrepio rosada pelo corpo todo, até sua pele ficar rosada também. Das palmas de sua mão, uma luz brilhantemente rosa surgiu, da mesma cor de seus olhos. A sombra agora se contorcia e berrava.

Enquanto a luz saía de suas mãos, Lareza sentia uma pressão puxando-a para trás. Tamanho era o seu poder, que estava começando a sentir-se sufocada pela força. Na tentativa de buscar ar, virou o rosto para o lado. Ficou tentando puxa-lo de alguma forma, lutando com o desespero.

Seus olhos foram abrindo lentamente. Os cílios tão dourados quanto seus longos cabelos dando espaço para o rosa-claro de suas íris. Quando viu as penas de asas tão negras quanto a própria escuridão. No meio das folhas, começou a ver os traços de uma criatura. Não era como a sombra a sua frente, lembrava mais um corpo humano. Mas ainda mais escuro que a sombra.

Sangue.

Cor-de-sangue.

Era a única cor que aparecia ali. A cor de seus olhos.

No exato momento em que a criatura abrira os olhos, Lareza sentiu seu coração sendo selado. Não entendia nada, mas foi o que sentiu. Seu coração se acalmou, com o desespero indo embora. O selamento foi passando para o corpo todo. E Lareza foi entendendo.

Ela não enxergava apenas os olhos com aquela cor, tão vibrante. Lareza tinha o talento de enxergar muito além das coisas, de uma forma profunda. E conseguia enxergar algo no fundo daqueles olhos. Por um instante, parou de prestar atenção na sombra a sua frente. Focou apenas nos olhos tão coloridos, tão vermelhos e tão sinceros que a assistiam.

Os olhares podiam quase se encaixar.

Tão parecidos, mas tão opostos.

As mãos dela, que estavam contorcidas pelo poder, foram suavizando. Parecia que ondas de poder começaram a passar por todo o seu corpo, até emanar uma luz ainda mais brilhante e mais serena.

Aquilo pareceu enfraquecer cada vez mais a sombra.

A criatura foi piscando e respirando cada vez mais calmo, parecendo retribuir os sentimentos de Lareza. Suas asas foram abaixando até saírem da posição de defesa.

Lareza sentia dele a procura por algo bom da vida. Mas, também, via nele a beleza da vida.

A sombra começou a se debater, raivosa, e agora estava decidida a acabar com Lareza. A menina de cabelos dourados ergueu uma das mãos em direção à criatura, como pedido para ele segurar, e disse apenas com os lábios "me salve".

A luz da menina passou a diminuir com o corpo enfraquecido dela, e a sombra passou a se aproximar para atacar. A criatura se assustou com a reação da sombra, saindo do transe, e olhou para Lareza novamente. As lágrimas rolavam de seus olhos e ela sorria, apesar de ter o mesmo olhar de buscar por salvação. Tentava resistir ao mal que destruiu sua família e sua vida. Mas ainda com um sorriso terno nos lábios rosados.

Quando a sombra estava prestes a matar Lareza, a criatura bateu as asas com força, para uma batalha. Lareza acordou berrando no meio da floresta, assustando as fadas sentadas em seu colo.