Matar ou Morrer

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Era apenas mais um dia que começava para Tigre, que acordara com as lambidas de sua mãe, Fofinha.

- Mãe! Para! Eu já acordei! Isso faz cócegas! - disse Tigre, pulando da cesta onde dormia e correndo até a sala, avistando seus irmãos brincando.

- Hey Tigre! Vem brincar! - disse Chocolate, sua irmã mais nova, uma gata de curta pelagem marrom-escuro e olhos azuis.

Os filhotes brincavam na sala quando um homem apareceu, colocou os três gatinhos dentro de uma caixa e levou para fora, onde outros homens e mulheres murmuravam e escreviam em papéis enquanto olhavam para os objetos expostos no jardim da casa.

- Hey! O que está acontecendo? Cadê a mamãe? - perguntou Cinzento, um gato de pelagem cinza, o irmão mais velho de Tigre. Uma menina eventualmente se aproximou da caixa e apontou para Chocolate enquanto fazia alguns sons estranhos e repetitivos. A mãe da criança logo se aproximou e pegou a gatinha, dando para a garota, que entrou em um carro enquanto a adulta entregou alguma coisa verde para o dono dos filhotes. Chocolate até tentou reagir, mas não conseguiu escapar das mãos da menina. Tudo o que conseguia fazer era chamar por seus irmãos, assustada.

As horas passaram, e um homem se aproximou da caixa, observando os dois filhotes, encolhidos em um canto da caixa, cabisbaixos. Depois de um tempo, o rapaz pegou Cinzento, que até conseguiu escapar por alguns momentos, mas logo foi capturado e guardado em uma caixa colorida. Entregou a coisa verde ao dono de novo e sumiu. Tigre estava sozinho. Tentou fugir, mas a caixa era grande demais para pular e resistente a arranhões. Tudo o que lhe restara era miar em desespero por seus irmãos, levados pelos humanos.

* * *

O sol já desaparecia atrás das casas quando um jovem se aproximou da caixa e pegou Tigre. Arrasado pela ida de seus irmãos, Tigre arranhou a mão do rapaz, que gritou de dor e soltou-o. Assim que caiu no chão, Tigre correu desesperadamente pelas ruas até cansar. Arfando, ele se escondeu em um pequeno beco para retomar o fôlego.

- Ora ora... O que temos aqui? Um filhote perdido? - Disse uma voz com desdém. Tigre olhou para trás e, das sombras, um gato negro de olhos amarelos como âmbar surgiu.

- E-eu não quero confusão... Só estou de passagem! Estava fugindo de um humano... Ele ia me raptar! - Disse o filhote, assustado. Uma onda de risadas se instalou no lugar, com vozes debochando, agredindo e até provocando o gatinho.

- Quem é esse garoto?

- Mata ele logo!

- É um gatinho-de-gente!

- Quando vamos matá-lo?

- Sangue! Sangue!

Com um rápido movimento de cauda vindo do gato preto, todos se calaram e o felino olhou nos olhos de Tigre.

- Isso aqui não é brincadeira, garoto. Você só está vivo porquê gostei de você. Aqui é matar ou morrer - depois de uma pausa, o gato preto continuou. - Aqui é a terra de ninguém. Estão todos por si aqui. Não pense que eu pouparei a tua vida da próxima. Fuja e não volte mais! - Completou o felino. Apavorado, Tigre assentiu e disparou até ter certeza de que aqueles gatos não conseguiriam achá-lo.

***

O filhote corria pelas ruas, evitando qualquer beco, com medo de ser apanhado novamente pelo ameaçador gato negro e sua gangue. Acabou chegando até uma cerca, que atravessou e se viu em um mundo completamente diferente. Tudo era verde, e o chão era cheio de pequenos fiapos que pinicavam suas pequenas patinhas. "Essa deve ser a tal floresta que a mamãe contou!" pensou o filhote, que olhava para todos os lados com curiosidade em seus olhos. Até esqueceu que estava fugindo da gangue de gatos sanguinária que lhe afugentara horas atrás.

Uma dor em seu estômago interrompeu os seus pensamentos e puxou-o de volta para a realidade. Não comera nada desde o evento da captura de seus irmãos, e já estava ficando faminto. O filhote andou pela mata, procurando algo para comer, até que achou um arbusto repleto de frutinhas vermelhas. Sua boca salivou e Tigre se aproximou do arbusto, até ser interrompido por uma voz.

- Eu não comeria isso se fosse você. São Frutas da Morte. Uma mordida nisso aí e você já era. - Disse a voz, em um tom de deboche. O filhote olhou em volta, até ver uma gata avermelhada saindo de dentro da folhagem.

- Você é novo por aqui, né? Se perdeu do seu dono? - O filhote parecia surpreso.

- Como sabe que eu tinha um dono? - Perguntou, aflito, Tigre. A gata soltou uma pequena gargalhada e apontou para o colar do filhote.

- Não é muito difícil de indentificar um gatinho-de-gente. Meu nome é Francelha, a propósito. - respondeu a felina, se ajeitando. Tigre apenas lambeu o peito, para esconder o constrangimento.

- Você pode me levar de volta para casa? - perguntou o filhote, esperançoso.

- Não... Eu não entro nesses ninhos dos duas-pernas nem que o Clã das Estrelas me obrigue! Foi mal, garoto. Mas eu não posso te ajudar com isso. - respondeu a gata, enquanto se limpava. O filhote abaixou um pouco a cabeça.

- Ei... Não fique assim. Eu até diria que você deu sorte de se livrar do teu dono. A vida de um gatinho-de-gente nem se compara à de um gato da floresta! É muito mais emocionante caçar a própria presa. Aliás... Se você ainda não provou um camundongo, você não viveu! - encorajou Francelha, com um leve sorriso. Tigre alternou olhares entre a cerca por onde passara e a gata. Sabia que, se voltasse às ruas, a gangue de gatos o pegaria, e provavelmente seria morto. Não tinha outra escolha a não ser viver na floresta, pelo menos até que o perigo passasse.

- Eu posso viver com você? Me ensinaria como viver na floresta? Me explicaria o que é Clã das Estrelas? - perguntou o filhote. Francelha, surpresa com a decisão rápida do filhote, pensou por alguns segundos.

- Não sei... Gosto de viver sozinha. Além disso, você só me daria trabalho! - respondeu a gata.

- Por favor! Eu... Eu posso ajudar na caça! Posso caçar a minha parte! E posso dormir no chão... Me deixa ir com você! - respondeu o filhote, angustiado. A gata refletiu por mais um tempo, mexendo a cauda, impaciente.

- Nah... Vai para casa, garoto. Eu trabalho sozinha. - ela se levantou, e rumou para os arbustos novamente.

- Espera! Eu faço qualquer coisa! Eu não posso voltar! Eles... Eles vão me matar se eu voltar! Eu não quero morrer! Me ajuda por favor! - lágrimas começaram a surgir nos olhos do pegueno filhote. Ele se sentou, com a sua pequena cauda enrolada em suas patinhas, e derramou as lágrimas de seu rosto sobre a terra úmida e fria. A gata parou e olhou para o filhote novamente.

- O que disse? - ela observou o filhote desesperado por ajuda. Sabia que não estava mentindo, e que tinha que fazer alguma coisa. Ela foi até o filhote e o pegou pelo cangote.

- Pare de choramingar. Você vai acabar chamando predadores! Vou te levar para minha toca. Até completar seis luas, o que não deve demorar, vou caçar para você. Depois disso, você terá que caçar para você mesmo. Combinado? - O filhote enxugou as lágrimas e tentou olhar para a gata, sem sucesso.

- Combinado.

Gatos Guerreiros - OneshotsOnde histórias criam vida. Descubra agora