Shelter

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Pata de Sombra chegava de uma seção de treinamento cansativa. Estava cheia de machucados, mas não estava com ânimo para andar até a toca de Focinho de Castanha. Preferiu ir até um local mais próximo: uma parte remota do acampamento onde ficava protegida do sol por alguns arbustos, enquanto um pequeno filete d'água manifestava-se com um som relaxante. Só de pensar no lugar, suas feridas pararam de doer tanto. Ela fechou os olhos com força, tentando antecipar a visão do seu refúgio, mas um barulho de risadas a distraiu, fazendo-a abrir os olhos. Quase caiu ao ver que o seu santuário fora invadido por Pata de Luz e seus amigos.

— Pata de Sombra! Chegou bem na hora! Eu e os meus amigos vamos... O que aconteceu com você? — perguntou o gato branco, olhando para a irmã toda arranhada. Esta não esboçava reação. Devia ficar furiosa? Devia desistir e ir à toca do curandeiro? Deveria responder à pergunta estúpida de seu irmão?

— O que ACHA que aconteceu? Fui lutar contra uma raposa, é claro. Somos os irmãos-maravilha, esqueceu? Temos pODeReS! — disse ela. Em sua voz, um tom sarcástico misturado com fúria eram evidentes.

— Ah... Uh, de qualquer forma... Eu acho que você deveria ir ver Canção Lunar. — disse o felino, sem jeito. Pata de Sombra pularia no irmão se pudesse. Ele estava no lugar dela, o único lugar onde ela se sentia bem, e estava arruinando-o. Bem na sua frente. Apenas se segurava por medo de ser castigada.

— Eu não PRECISO de um curandeiro! Eu sou forte! Eu posso lutar contra uma matilha inteira de raposas se eu quiser! — cuspiu, disparando para fora do acampamento. Ela correu e correu, ignorando todos os chamados dos companheiros de clã para dentro. Os ferimentos já voltavam a doer, e queimavam como fogo em sua carne, mas ela ignorou tal sensação. "Eu sou forte. Eu sou capaz." repetia, enquanto corria cegamente pela mata. Ela rapidamente deu uma meia volta e subiu na primeira árvore que achara, escondendo-se entre as folhas e as saliências da casca.

Ela esperou por qualquer sinal de perseguidores. Ousou esticar a cabeça para espiar quando viu três figuras se aproximando rapidamente da árvore onde estava escondida. Conseguiu identificar seu mentor, Asa de Sabiá, e o representante do clã, mas o terceiro gato não ficou muito nítido à ela. Chutou que fosse o aprendiz do representante, reconhecido pela sua velocidade. Ela escondeu a parte branca de seu rosto, fechou os olhos e prendeu a respiração. Ouviu as passadas chegando e se distanciando, e ficou em silêncio por mais algumas batidas de coração, para garantir que os havia despistado.

Ela levantou a cabeça devagar, analisando o território. Os machucados sujos com terra ajudaram ela a se camuflar na árvore. Ela desceu da árvore com cuidado, e se jogou no chão para aliviar a dor. Podia sentir o sangue quente escorrendo dos machucados, mas se recusava a aceitar que precisaria ir ver Canção Lunar. Tudo o que queria era se esconder de seu clã e procurar um santuário novo, para ter aonde ir na próxima vez que seu irmão ignorante destrua o seu lugar de paz novamente.

Ela ficou deitada por um bom tempo, até que aceitou que pelo menos uma limpeza poderia ser cedida a si mesma. Lembrando de um dos tratamentos do aprendiz de curandeiro, ela foi até um riacho que cortava o território e afundou até ficar na altura do pescoço, deixando que a água fria fizesse seu serviço. Tinha que admitir que a corrente gelada, além de limpar seu corpo, deixava os machucados menos doloridos, dormentes.

— Virou um peixe? — ouviu de uma voz vinda de trás. A felina rapidamente se virou para atacar, quando percebeu que era Hip, o gato que invadira o território alguns sóis atrás. O felino esbranquiçado se encolheu para se proteger do ataque de Pata de Sombra, mas este nunca aconteceu.

— O que está fazendo aqui? Não disse para não invadir mais o nosso território? — perguntou a gata, hostil.

— Uh, na verdade, você disse que eu não deveria roubar comida... — disse Hip. Pata de Sombra queria arranhar a cara daquele felino engraçadinho.

— Decidiu que hoje é um ótimo dia para torrar a minha paciência? — retribuiu, saindo da água.

— Eu só vim para caminhar de novo... Sem caça dessa vez, eu prometo!

— E como me achou?

— Foi por acidente. Eu vim aqui beber água e...

— Tanto faz. Não tô interessada em saber. — cortou Pata de Sombra, ultrapassando Hip e seguindo para a mata.

— Ei! O que está fazendo? Ainda é aquele teste? — perguntou, inocente. A gata bufou.

— Não é da sua conta. Vai arranjar o que fazer.

— Você é grosseira... Mas tudo bem, pois eu já sei o que quer fazer. — disse ele, orgulhoso, acompanhando a gata.

— Ótimo! Se já sabe, poupe a minha saliva para responder e a sua para perguntar.

— Está caminhando! Que nem eu! A floresta também te relaxa? — perguntou ele, ignorando a resposta anterior da gata.

— Eu VIVO na floresta. Pareço relaxada para você? — respondeu, apenas. Ela parou, resmungando. — Estou procurando um lugar para me esconder. — confessou, depois de um tempo.

— Oh! Você é uma fugitiva? — Perguntou, impressionado.

— O quê? Não! Eu só quero me isolar do meu irmão. Ele destrói tudo o que toca!  — disse ela, irritada.

— Seu... irmão? Era com ele que achava que estava conversando quando me encontrou? — Pata de Sombra lançou a Hip um olhar silenciador, mas desfez a expressão com um suspiro.

— Sim... Pata de Luz é o melhor gato do clã, e eu, como irmã dele, tenho que suportar as expectativas que todos depositam sobre mim — confessou, abaixando a cabeça. O gato branco desfez o seu sorriso habitual.

— Já... Já falou isso para alguém?

— "Inveja não é saudável", "Vibre pelo seu irmão", "esforce-se!"... — citava Pata de Sombra, amarga. Hip ficou pensativo.

— Sabe... No Clã do Sangue, essa pressão e o medo é o que nos mantém juntos. Muitos de nós repudia as ações do clã, mas não pode deixar de fazê-las por não terem aonde ir. — disse Hip, abaixando a cabeça. A gata escura desfez a expressão amarga, e olhou para ele, este dando um grande suspiro. — Aqueles que fogem... São mortos pelos ex-companheiros ou, se vão para a floresta, pelos animais selvagens.

— Hip... Eu sinto muito...

— Tudo bem. Não é como se você precisasse se importar mesmo. — disse, seco. — De qualquer forma, esse santuário não vai ser achado sozinho, não é? Vamos lá! — completou, voltando à sua animação habitual e relativamente irritante. Pata de Sombra retomou o caminho, mas parou, confusa. Como ele sabia que ela estava procurando um santuário? Chacoalhou a cabeça. Precisava se concentrar em achar o seu novo refúgio.

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