— Pata de Sombra? Pata de Sombra! — chamava uma voz, interrompendo o silêncio agradável da manhã.
A maioria dos gatos já estava de pé, preparando-se para iniciarem as suas tarefas do dia, porém Pata de Sombra permanecia encolhida na toca dos aprendizes. Não estava mais dormindo, porém continuava deitada em seu ninho de musgo, aninhada, esperando que o movimento de gatos abaixasse. Ela não gostava de sentir tantos cheiros e vozes ao mesmo tempo, o que justificava o seu gosto pela solidão, mas seus companheiros de clã não conseguiam entender. Antes, ela se forçava a sair junto com todo mundo, só para não ser taxada de preguiçosa pelos outros gatos, mas agora tal opinião dificilmente a afetava. Uma figura rechonchuda surgiu na entrada da toca, bloqueando boa parte da luz que entrava no local, e a aprendiz escura levantou o olhar para ver quem havia entrado.
— Imaginei te achar aqui. — comentou a voz, mostrando certo orgulho de tal conquista.
Pata de Sombra logo reconheceu a doce voz de Focinho de Castanha, o aprendiz de curandeiro e seu único amigo no clã.
— Veio reclamar de alguma coisa? — Ironizou a aprendiz escura, exibindo um pequeno sorriso brincalhão.
Mesmo com a luz ocultando o seu amigo, a gata pôde ver que o aprendiz de curandeiro respondia à brincadeira com uma mexida de cauda.
— Sabe que eu não gosto quando se deprecia assim... — disse ele, abaixando as orelhas.
Pata de Sombra não disse nada.
— Como Canção Lunar saiu para recolher ervas, Estrela Valente deixou que eu te chamasse para me ajudar! Asa de Sabiá se juntou a ela em uma patrulha na fronteira, então eles não voltarão tão cedo. — anunciou, empolgado.
A aprendiz escura sorriu; Focinho de Castanha sempre pedia para a líder do clã que Pata de Sombra o ajudasse com as suas tarefas quando tinha a oportunidade. Era o jeito que o aprendiz de curandeiro achou para que a amiga tivesse um dia de folga dos treinamentos brutais de Asa de Sabiá.
— E qual é a tarefa desta vez? — perguntou a gata, se levantando.
* * *
O dia já estava escurecendo quando Pata de Sombra terminava as últimas tarefas com Focinho de Castanha. Canção Lunar já havia voltado e estava analisando o trabalho da dupla.
— Nada mau! — ela comentou, farejando uma das misturas. — Pata de Sombra daria uma ótima aprendiz de curandeiro, se Focinho de Castanha já não houvesse ocupado a posição. — brincou a curandeira, lançando um olhar brincalhão para a aprendiz escura, que retribuiu com um sorriso genuíno.
Canção Lunar era como uma mãe para a jovem gata, reconhecendo o seu trabalho e raramente julgando as vindas frequentes da aprendiz, se alguma vez já o fez.
— Depois de um dia tão produtivo, não vejo o porquê de não o comemorarmos. Pata de Sombra, se importaria de nos trazer algumas presas? Acho que ví um coelho suculento quando voltei da coleta mais cedo. — disse, piscando um olho.
Pata de Sombra assentiu e virou-se para partir.
— Mas ele não iria para os anciões? — interrompeu Focinho de Castanha, incerto.
A aprendiz escura interrompeu o seu curso e lançou um olhar confuso para a curandeira.
— Eles já foram alimentados hoje. Levei algumas presas para os anciões enquanto vocês faziam as misturas. — explicou.
Pata de Sombra convenceu-se e retomou o seu caminho, prometendo retornar em breve. Na trilha para a pilha de presas frescas, ouviu seu nome ser citado, e a aprendiz parou, olhando em volta. Quem estaria falando dela? Curiosa, a gata prestou atenção na voz, e reconheceu que era a voz de sua mãe, Canção Silvestre.
— Logo os dois completarão doze luas, mas estou preocupada com Pata de Sombra. Asa de Sabiá faz questão de dizer que ela se tornará uma boa guerreira, mas já vi os treinos dela; aquela gata nem consegue acertar o seu oponente sem tropeçar ou ser atacada de volta!
Pata de Sombra esforçou-se terrivelmente para manter a calma; não sabia se ficava mais furiosa pelo fato de até sua própria mãe duvidar de seu potencial, ou irritava-se por descobrir que suas seções de treino estavam sendo espionadas.
— Pata de Luz tentou falar com ela certa vez, mas parece que ela se afasta de tudo. Quando não foge da conversa, fica quieta, te ignorando completamente! — concordou outra voz, a qual a aprendiz reconheceu como sendo a de seu pai, Mar Azul.
— Acho que vou pedir para que Estrela valente troque o mentor dela para alguém mais... Rigoroso. Ela está muito desrespeitosa, além de distante. Viu como ela fica olhando para lugar nenhum, com um olhar vago? É como se estivesse em outro mundo. Precisam corrigir este comportamento, ou ela pode distrair-se em uma batalha e baixar a guarda; ou, que o Clã das Estrelas não permita, desafiando uma autoridade.
— Eu não preciso de um novo mentor! — disse Pata de Sombra, vocalizando os seus pensamentos.
Quando percebeu o que fez, já era tarde demais; Canção Silvestre e Mar Azul já a encaravam com uma expressão decepcionada e reprovadora.
— Não devia estar ajudando Focinho de Castanha hoje? O que faz aqui, tão longe da toca dos curandeiros? — disse Canção Silvestre, com um olhar penetrante.
Pata de Sombra se sentiu doente com a expressão de desgosto de sua própria mãe. Pularia nela imediatamente se sua ética a permitisse.
— Canção Lunar me pediu para ir buscar algumas presas. — A aprendiz respondeu, seca.
Ela sustentava o olhar da mãe, tentando passar um ar de indiferença.
— E desde quando espionar os outros é o seu novo passatempo? — provocou a guerreira.
"Desde que você decidiu espreitar as minhas seções de treino." pensou Pata de Sombra, ácida, mas não vocalizou tal pensamento. Ao invés disso, a gata virou-se e deixou os dois guerreiros para seguir até a pilha de presas. Pôde ouvir seus pais a chamando atrás dela, mas ela ignorou.
"E desde quando eles se preocupam comigo? Desde quando observar as minhas seções lamentáveis de treino é aceitável?" pensou ela, indagando-se quantas seções foram espionadas, e se Canção Silvestre era a única espectadora. Uma sensação de aquecimento interno no seu corpo a deixou frustrada e extremamente desconfortável. Uma dor no seu peito indicava que queria chorar, mas Pata de Sombra se restringiu. Estava furiosa, triste, vazia... Não sabia definir. Seus sentimentos pareciam misturar e separar-se em intervalos de poucas batidas de coração.
Sentia-se traída.
Traída pelo clã, pelo mentor, pela própria família. Eles iriam pagar, mas ela não sabia como. Queria retribuir o sentimento para todos os que os provocaram nela; queria sair correndo do clã e não olhar mais para trás.
Queria libertar-se.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Gatos Guerreiros - Oneshots
FanfictionEncante-se com estas histórias curtas sobre OCs de Gatos Guerreiros. Descubra o que uma mãe fez para proteger seus filhotes de maus tratos, o sacrifício de uma líder apaixonada e muito mais!