II

771 4 0
                                    


     Quando se levantou da cama, no dia seguinte, reparou em duas coisas: a primeira era que Hugo não estava do seu lado. Talvez tivesse se levantado e ido até o banheiro. Ou preparar um café da manhã. Não sabia. A segunda coisa é que dormia do lado errado da cama. Havia adormecido, noite passada, no canto, mas agora estava na ponta, e ela sabia que não era o tipo de pessoa que costumava rolar tanto. Suas amigas que já dormiram com ela lhe diziam que parecia estar morta, estendida em um caixão, toda vez que dormia.

Letícia não se importou tanto com isso. Agora era uma pessoa diferente. Em sua cabeça rodeava o fato de ter finalmente perdido a virgindade. Era um grande feito. Um momento importante de sua vida. Colocou-se em pé, percebendo que o chão parecia mais longe do que realmente era para ela. Estava tonta, sabia. Tonta pelo sono. Havia dormido demais. Como se tivesse desmaiado. Nunca se sentira tão cansada na sua vida quanto ontem à noite. Um orgasmo cansava tanto?

Hugo não estava em casa. Entrou no banheiro, olhou para o espelho. E a surpresa foi desesperadora, a ponto de fazê-la gritar. Esperava ver, do outro lado, seus cabelos castanho-claros bagunçados, como toda manhã, e seus olhos fundos. Mas não. O que viu foi o pouco cabelo e a pele escura de Hugo. Os olhos dele esbugalharam junto com o seu. Quando gritou, ele repetiu o movimento. Olhou para a própria mão. Era grande e com pelos nas falanges dos dedos. Olhou para baixo, não achou seus seios um pouco grandes e moles. Encontrou, no lugar, um peitoral de aço, de mármore, esculpido por Michelangelo. Viu a cueca e um pênis enorme, que estava dentro dela noite passada.

Caminhou até o quarto, procurou suas roupas. Não achou. No lugar, encontrou todas as roupas de Hugo. Desesperada, andou pela casa toda. Não viu ninguém. Ele não estava mais lá. E tinha saído com tudo que era dela. Inclusive... seu corpo? Se eu estou aqui, ela refletia, então ele está lá?

Esse pensamento não fazia o menor sentido.

Letícia deveria era pensar com clareza. Compreendia que não poderia pensar sozinho. Deveria achar Hugo, claro. Que muito provavelmente estava com seu corpo. Mas não sabia onde ele poderia ter se metido. Uma coisa que sabia é que aquilo havia acontecido depois do sexo. Não durante ele, porque havia sentido tudo, mas depois. Transar havia sido definitivo para a troca de corpos. Depois, tentou pensar em quem poderia acreditar na sua história. Precisava conversar com alguém. Até definir o que fazer. Mesmo sabendo que ninguém acreditaria.

A primeira atitude a tomar foi pegar o telefone de Hugo e ligar para si mesma. Aquilo tudo era muito estranho. Viver como se fosse outra pessoa. Viu, conforme mexia no celular dele, o número de várias outras mulheres. Conversas sem parar sobre vários assuntos, entre eles sexuais. Uma tristeza enorme encheu o seu peito. Estava começando a se apaixonar pelo homem, mas ver aquilo era terrível. Como uma faca entrando em seu estômago. Percebia que ela era apenas mais uma. Pior que isso. A que cedeu mais fácil. Via, nas conversas, ele sendo romântico como era com ela. Com outras, falando diretamente sobre sexo. Algumas mensagens delas respondendo, ainda não visualizadas. Hugo era um canalha.

Sentiu as lágrimas prontas para escorrer, mas não chorou porque riu. Achou engraçado o momento. Imaginar Hugo chorando, com o celular na mão, de coração partido. Letícia resolveu fazer o que deveria. Encontrou seu número, ligou. Ninguém atendeu. Tentou de novo. O telefone foi desligado.

Sim. Hugo estava com seu corpo. E não pretendia devolvê-lo.

Letícia colocou a roupa. Começou a pensar onde ele poderia estar. Vivendo minha vida, óbvio. Pensou no que ele poderia estar fazendo. O que ela faria agora de manhã? Sim, iria encontrar Fernanda, sua melhor amiga. Elas duas marcaram para poder conversar sobre a perda da virgindade de Letícia. Fernanda queria saber de tudo. Era do tipo de pessoa que sempre tentava saber de tudo. Intrujona. Mas Letícia sabia que era algo que ia querer contar. E agora, depois de tudo que aconteceu, com certeza ia querer falar.

O que será que Hugo está falando para ela? Bem de si mesmo, óbvio. Com certeza ia agir como se tivesse o melhor sexo do mundo. Mas ela faria muito diferente, se estivesse no lugar? Não reclamou sobre isso. Sua cabeça estava à mil. Só não gostava da invasão de privacidade. Da ideia de outra pessoa estar vivendo a vida dela.

Finalmente terminou de se vestir. Pegou as chaves dele, que sabia que o homem deixava pendurado na cozinha. Saiu de casa, mas trancou tudo. Assim como não gostaria que sua vida se tornasse uma bagunça, não deixaria uma bagunça na vida dos outros. 

O Sexo Dos OutrosWhere stories live. Discover now