1- Deppy.

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Meia-hora antes da minha empolgação atingir o seu auge, meu gerente me ligou e disse que tinha conseguido uma audição, para o papel de antagonista em uma série de televisão que seria exposta no próximo ano mas que começaria a ser produzida daqui a um mês. Como o tempo estava curto, eles estavam enlouquecidos a procura de um bom vilão e meu gerente me recomendou para tal cargo; aparentemente porque o personagem é frio e sem vida e, segundo ele, eu não precisaria de muita experiência em atuação para executar o papel.
Foi bem rude da parte dele, mas eu só respondi com um grunhido para que ele percebesse meu descontentamento sem perder minha pose de frio; o eu conhecido por ele se incomodaria com a audácia dele em falar dessa maneira comigo e não pelas palavras propriamente ditas. O meu eu verdadeiro ficou dividido entre tristeza por não demonstrar as coisas corretamente e felicidade pela minha barreira, e atuação, estar dando certo.

O ponto principal é que agora vou decolar, rumo aos milhões de fãs e fortuna, e mais importante que tudo isso: obter minha primeira namorada!  
A verdade é que quando se está empenhado em atuar não há muito espaço para amor, e dada a complexidade de conquistar alguém e manter um relacionamento eu decidi adiar o romance; mas com dinheiro e tempo livre que vou ter em breve, vou poder me dedicar à achar minha alma gêmea e a conquistar.
-...leb?... Caleb?

Olho para o lado e vejo Marcus, meu gerente atrevido, me olhando e apontando para que eu entrasse no carro.
-O que aconteceu com a nossa Van?

Pergunto sério quando vejo o veículo que ele está apontando. Não sei a marca ou o modelo, mas claramente não é a Deppy, nome esse que pareceria ridículo aos olhos da maioria das pessoas mas para mim, único conhecedor da existência dele, combina com a Van perfeitamente.
-O presidente disse que poderíamos usar essa belezura pra fazer a audição e se você passar pode ficar até acabar a série! Maravilhoso, não?

Há tantas coisas que me irritam no meu gerente e achei que a maior delas fosse a animação espontânea e inconveniente dele; mas descobri que o gosto horrível dele é muito pior do que isso. "Essa belezura"?! Essa belezura é a velha,doce e vermelha Deppy e não um carro preto comum!
-Peça a... Van de novo depois de hoje.

Meu eu interno grita de vergonha pela pausa necessária para que não dissesse "Deppy" no lugar de Van, mas continuo fechado e sento no banco de couro do meu inimigo automobilismo, ignorando a cara de decepção de Marcos por não poder manter o carro caro que a companhia disponibilizou para ele.

•••••••


O caminho segue silencioso e eu repasso as falas do teste na minha cabeça; "Bem-vindo à nossa casa, Júlio", "Porque você é especial demais para não ser meu!" são minhas únicas falas, perdidas em uma folha inteira de expressões e movimentos que eu deveria fazer enquanto as dizia. Aparentemente meu personagem não fala muito porque está tão acostumado a observar em silêncio que não é capaz de se expressar através de palavras.

Não pude notar que havíamos chegado até Marcus abrir a porta para mim. Fico confuso por um instante até lembrar que não estávamos na velha Deppy que chia e freia secamente, informando ao bairro todos que chegamos.
Saio do carro e respiro fundo; minha chance está aqui.

"e mais importante que tudo isso: obter uma namorada!" Eu tenho tanta dó dele. Mal sabe que está numa história de romance gay e que a autora adora acabar com os planos héteros dele...

PS: Dêem palpites sobre a série antes de passar para o próximo capítulo.

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