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Já passava das nove, eu mal havia visto meus tios e, quando o fiz, eles me parabenizaram, mas ainda pareciam ressentidos. Não iriam revogar meu castigo só por um dia, eu sabia, mas, não sei... Talvez esperasse algo... Francamente, eu tenho dezoito anos. Sou de maior, não é?

Pelo menos, Marcos sabia disso, e iria comemorar com um boa noitada.

Eu ainda me encarava no espelho, vendo a roupa que ele, aparentemente, escolhera para a "noite épica"; calça jeans azul, camiseta branca e uma blusa de botões azul quadriculada, além do tênis branco. Parecia a mesmíssima coisa de sempre! O que haveria de épico usando uma roupa dessas?

-Oi! –Marcos entra, como um vendaval no quarto. Ainda estava de uniforme, o que fez com que eu ficasse confuso. –Tá bonitão, hein! –Ele me avalia.

-Cara, por quê você ainda está de uniforme? –O encaro, incrédulo.

-Ah! –Ele se avalia. –A roupa está por baixo! Peraí!

E imediatamente e começa a tirar o uniforme e constato que o que ele estava falando era verdade; a roupa dele estava ali!

-Que tal estou? –Ele pergunta.

-Legal! –Dou de ombros. –Agora me explica, como ser épico, sendo tão comum? –Retruco e volto a me encarar no espelho.

-Você quer que eu te arranje uma roupa neon com penas rosas e uma plaquinha escrita "Auror Sleepy - Fugitivo, porque está fazendo dezoito anos"? –Ele pergunta sarcástico.

-Lógico que não! –Reviro os olhos.

-Então não reclama! –Ele retruca. –E tenta não se desesperar!

-E o que você fez? –Me viro pra ele, com expectativa. Não poderia mais me esconder as coisas. Não mais agora!

-Hum... –E então ele sorri maliciosamente e passa a língua nos lábios prestes a falar da sua obra prima. Tremo, só de pensar, mas me mantenho atento. –Seguinte, eu consegui os garotos para lavarem as louças, nesse exato momento eles estão na cozinha, e não vão acabar logo. Me certifiquei de passar no escritório dos seus tios e deixar uma surpresinha. Um biscoitinho com o que, o Jorge chama de "poção derruba leão".

-Você dopou meus tios? –Retruco.

-Tudo por uma boa causa, e não se prenda a detalhes pequenos...

O encaro feio, mas não falo nada e ele aproveita para prosseguir.

-Eu acabei de enviar Jorge e Frederico para o local, eles vão se certificar de que está tudo limpo e vão mandar um sinal para nós. Provavelmente uma mensagem; –Marcos prossegue. –Há dois outros garotos, um ano mais novos, que estão distraindo o vigia, e mais dois para substituírem eles quando voltarmos. Nós vamos receber a mensagem do Jorge, seguiremos pela cozinha, onde estão os garotos, nos esquivamos pela parte dos fundos, enquanto o vigia está sendo enrolado e, quando encontrarmos Fred e Jorge, vamos fugir pela saída secreta. Infelizmente não tenho carteira de motorista e, isso melou um pouco as coisas, então eu só consegui quatro bikes. E é isso.

Pisco, tentando entender um pouco as coisas que ele acabara de falar. Devo confessar. Era um bom plano. Então, o que eu devia temer?

-Então? –Ele pergunta, ainda esperando minha reação.

-É um bom plano. –Confesso. –Realmente bom, mas quando ele é posto em prática?

-Bom, -Ele saca o celular do bolso. –O plano entra em ação... Agora! Vamos.

Ainda fico confuso quando ele me puxa pelo braço e me arrasta.

-O que eu faço? –Retruco. –Você não me ditou tarefas!

-Você só segue o baile! –Ele retruca, ainda me empurrando.

Olho pela janela e vejo o vigia, estava tagarelando com dois rapazes. Talvez eu já os tivesse visto, mas não lembro. O importante era que, de fato, o vigia não estava prestando atenção em mais nada, além daqueles garotos que pareciam desenvolver uma conversa nada a ver com ele. Talvez falando de rolhas de cortiça. Eu não teria me surpreendido se fosse realmente aquilo!

Marcos, no entanto, não se foca naquilo. Descemos vários lances de escadas, no mais esquisito silêncio. Não havia monitores por perto e, então, seguimos para a cozinha. Os garotos ainda estavam ali, lavando louças.

-Muito bem. –Falou Marcos. –Continuem!

Fico confuso, logo que saímos.

-O que disse para convencê-los? –Pergunto, enquanto caminhávamos, já do lado de fora.

-Apenas que lhes daria uma bonificação. –Marcos dá de ombros.

Balanço a cabeça negativamente, mas ele não liga, e continua me empurrando. Quando avisto os meninos, paro.

Eles estavam prontos, apenas segurando algo que... bom, era a cerca e, em parte, não era.

-É uma camuflagem. –Explica Marcos. –Como acha que entram as mercadorias clandestinas?

-Confesso que isso eu não imaginava! –Digo, surpreso por eu mesmo estar falando isso.

Marcos então continua a me guiar, e chegamos próximos aos nossos amigos.

-E aí! –Jorge me cumprimenta. –Ansioso?

-Bastante! –Falo, já tomando conta de que eu vou me ferrar essa noite. Já não havia ficado claro?

-Não fica tenso, não. –Frederico vai até mim. –A gente vai festejar até amanhecer o dia! –Ele diz, com mais empolgação do que todos nós juntos.

-Não precisa exagerar, né, Fred?! –Diz Marcos. –Mas é quase isso.

Então meu amigo se vira para mim.

-É isso, aí! Faça as honras. –E aponta para a parte falsa da cerca.

Encaro o que pode ser minha última chance de liberdade e preciso respirar fundo antes de dar o primeiro passo. Assim que dou o primeiro, em seguida vem o segundo e o terceiro e... Estava do lado de fora!

Não sei explicar com exatidão a sensação, mas algo dentro de mim, mudou!

Olhei ao redor, parecia um mundo infinito. Respirei fundo aquele ar, aquela atmosfera. Não é engraçado? Não estava tão longe, ainda estava no mesmo mundo, na mesma cidade, mas, ainda assim, parecia que havia sido teletransportado para um lugar encantador. E aquilo parecia mágico!

-Vamos! –Diz Marco, já me puxando. –As bikes estão por ali.

Jorge e Fred também haviam saído e deixado a cerca, aparentemente, como deveria estar. Nos embrenhamos pela mata, até conseguirmos encontrar as bicicletas, que estavam próximas ao acostamento, não tão distante.

-Subam em uma e vamos! –Disse Marco, subindo em uma e colocando um capacete de segurança.

Fizemos o mesmo. Eu não era o melhor piloto de bicicleta, mas deu pro gasto.

Não havia ninguém pela estrada, e os meninos pareciam estar curtindo muito aquela atmosfera, aquela liberdade e, então, me permiti desfrutar também. Com um pouco de receio –confesso –soltei o guidom da bicicleta e, quando me certifiquei que estava seguro e seguia reto, abri os braços e deixei a brisa bater em meu rosto.

-Uhu! –Gritei.

Os meninos riram, mas também gritaram.

Estava tudo perfeito. Havia como ficar melhor?

Belo Adormecido (Bela Adormecida) -EM3Onde histórias criam vida. Descubra agora