Teta

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-E como foram as coisas ontem? -Vanessa me pergunta enquanto pica os tomates.

Começo a abrir a massa com um rolo de madeira.

-Foi muito, muito bom. Conversamos bastante sobre nossas vidas e...

-Gaia! -Ela se volta para mim e coloca a mao na cintura, os cabelos cacheados voando para trás dos seus ombros.

-O que foi?! 

-Você sabe o que eu quero saber. - Ela me lança o melhor dos seus sorrisos maliciosos.

-Fala sério, Vanessa. -Minhas bochechas se ruborizam.

-Estou com uma faca em mãos. -Ela aponta para mim. - É melhor ir desembuchando.

-Então, é isso. 

-Acho que sim. 

-Bom, nos vemos segunda?

-Aham.- Afirmo com a cabeça.

No estacionamento, em frente ao meu carro, a noite escorrega vagarosamente em direção à madrugada.

O momento parece demorar. Cada segundo que passa dura horas, e não é o suficiente.

Kovu pega a minha mão, olhando para baixo, inseguro, como sempre fica quando o assunto é proximidade.

Mas eu não consigo aguentar sua falta de atitude por muito tempo. 

Puxo sua mão pra mais perto, fico na ponta dos pés e lhe dou um beijo roubado.

Meu coração dispara. O de Kovu também, eu posso sentir. Ele está incrivelmente surpreso, e envergonhado.

-Desculpa. -As palavras pulam de minha garganta, como um impulso.

Nesse momento, vejo seu rosto mudar. De envergonhada, sua expressão se torna decidida.

Ele chega mais perto e me beija novamente. Dessa vez um beijo demorado, carregado, transbordante.

-Ai, Gaia. Só você mesmo.- Ela ri.

-O que foi agora?- Paro de abrir a massa e a encaro.

-Foi só um beijo, com um cara que você acabou de conhecer. Você precisa perder a mania de romantizar as coisas.

Antes que eu pudesse protestar, ela levanta o dedo para me calar.

-Só para deixar claro, eu admiro isso em você. Às vezes, e eu repito, às vezes, é bom enxergar as coisas desse jeito, torna a vida um lugar melhor para se viver.

Enquanto terminamos de preparar a pizza, penso bastante sobre as palavras de Vanessa, nem me importando muito com o que ela fala comigo (algo a ver com um juri que ela presenciou ou algo assim).

As palavras dela me chocaram e me espantam. Mas assim que é Vanessa, ela é a sinceridade. Ela o faz encarar de frente todos os seus defeitos, e sem querer, mostra qualidade neles.

-Não acha?! -Vanessa me surpreende com uma pergunta, enquanto fecha a porta do forno e começa a ajeitar o cronômetro em 30 minutos.

-Eh... acho o que?

-Que foi um plano muito inteligente!

Bufo, fechando os olhos e esperando a pior resposta quando pergunto:

-Que plano?

-Você não estava prestando atenção mesmo né?!

-Desculpa, eu desliguei por um momento. Fale, fale qual é esse plano!

Ela me olha desconfiada, mas sua vontade de contar o "plano muito inteligente" é maior.

-Bom, o homem traficava drogas, mas não só isso, ele era o chefe do tráfico naquela região. Os policiais nunca conseguiam pegá-lo e, num descuido mal planejado, fizeram o homem descofiar que estava sendo perseguido pela polícia, tornando o trabalho de prendê-lo muito mais difícil, porque o chefe redobrou seus cuidados. Ele se tornou invisível, não mais escondido. E é aí que vem o plano inteligente. Um policial escalado tirou a farda e o distintivo, pegou sua arma e se juntou ao tráfico. Ele era um agente duplo e dava todas as informações para o quartel. Ficou lá durante vários meses e subiu rápido de posição nas "patentes" do tráfico, com suas práticas na polícia comparada com as de civis favelados que atiravam por prazer ou num desespero de necessidade. Ele se tornou próximo do chefe, do traficante mais  procurado da região, ganhou sua confiança, agora ele era sub-chefe. Então, num belo dia, tropas pesadas da polícia chegaram ao esconderijo antes impossível de ser rastreado, prenderam o chefe e todos os homens!

-Caramba. -Digo surpresa. Minha mente não conseguindo parar de vagar na história de vida dos traficantes: por que será que eles se juntaram ao tráfico? O que será que os policiais acham que vai acontecer quando eles sairem do presídio? - Mas não é uma ideia nova, eu acho. Já vi isso em alguns filmes.

-Eu disse inteligente, não inovador. -Ela pisca para mim.

-Foi um plano bem inteligente mesmo.- Admito. 

-Vamos lá para sala? -Vanessa começa a se abanar. - Está quente aqui por causa do forno e...

-Foi.... um plano....bem... inteligente.

-Aham, foi sim. -Ela começa a me empurrar para sala. -Agora vamos ver tv.

-Foi muito inteligente!!

-Gaia, você já diss...

-É isso! -Eu grito, sentando no sofá.

-Ta, agora você está começando a me assustar. O que foi, hein?

Olho para Vanessa, voltando a realidade. Não, não posso contar para ela, não posso meter ninguém nisso tudo.

-É isso que eu queria fazer, ué. Vir para a sala! Agora coloca aí a nossa série.

Ela queria insistir mais um pouco, claramente insatisfeita com minha desculpa esfarrapada, mas se rende à série.

-Crime e problemas psicológicos. Essa série foi feita pra gente!- Ela sorri com uma felicidade genuína e até um pouco medonha.

Enquanto seus dedos correm pelos botões do controle, olho para frente, confiante.

Isso que eu iria fazer. Vou me tornar o policial infiltrado, vou ganhar sua confiança. 

Então, as pessoas não terão mais dúvidas. Não haverá mais conspirações diversas sobre sua pessoa.

Eu mostrar a todos quem é o verdadeiro Eros.

No princípio, era o CaosOnde histórias criam vida. Descubra agora