um - parte dois

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Capítulo 1 (Parte 2)

Não me consigo controlar quando vejo o homem desaparecer pouco a pouco com a brisa que entra pela janela e tornar-se em míseros segundos no meu pior pesadelo, ainda avançando na minha direção, com a faca firmemente segura entre os seus dedos finos e perversos.

Começo a chorar, a gritar e a empurrá-la para longe com pontapés cada vez que a sua bata branca manchada de sangue roça nas minhas pernas. Acho que é o meu sangue. Ela está aqui, na minha frente, mais perto do que alguma vez ficou nos seus experimentos loucos.

- É para teu bem. Não vai doer... Em mim.

A Médica prende as minhas mãos com uma fita de couro e empurra-me mais contra a porta, batendo com a minha cabeça contra o vidro opaco, vezes e vezes sem conta, fazendo o meu sangue cair da minha testa lentamente e manchar a alcatifa do consultório. Sinto uma dor lancinante na nuca e a visão a ficar turva. Só consigo ver, entre as pálpebras a pesar, os olhos cinzentos e gelados da mulher.

Ela aproveita o facto de as minhas pernas estarem bambas para me arrastar pelos cabelos de volta à cadeira onde estive sentada. Volta a segurar na faca, que antes pousou sobre o monte de papéis de Liam e olha-a durante uns segundos, sem parar de sorrir daquela forma estranha, um sorriso enorme e perverso rasgando o seu rosto de um lado ao outro.

Encosta levemente a lâmina ao meu pescoço, cortando a pele.

Eu quero desviar o olhar ou fechar os olhos, mas não consigo.

Tudo o que consigo ver era a pequena gota de sangue escorrer pelo pescoço, a faca a deslizar de um lado para o outro e o som da carne a rasgar, junto com o sorriso. O sangue queima pelo meu peito abaixo, e eu grito dentro de mim mesma, conseguindo finalmente mover os braços para a afastar.

Pisco os olhos e, de um segundo para o outro, Liam está de volta á minha frente. Os seus olhos brilham de preocupação e segura-me os braços. Ofegante, deixo que ele me abraçasse, me envolvesse nos seus braços, como se isso me pudesse proteger da Médica e dos demónios que me atormentam.

O toque de Liam, como sempre, sabe a baunilha.

Talvez seja o perfume amadeirado que emana das suas roupas, a forma como me toca – sempre com cuidado, como se eu fosse de vidro e pudesse partir a qualquer altura – ou os seus olhos azuis que têm o dom mágico de me acalmar e de me tirar do mundo assombrado onde vivo todos os dias.

Sinto a mesma dor na cabeça, posso sentir o sangue escorrer por um trilho entre os meus cabelos, no meu pescoço está desenhado um enorme arranhão em carne viva.

- Ela foi embora? – Pergunto baixinho, com a cabeça protegida pelo seu peito forte. As suas mãos seguram o meu pescoço, e largam-no para me poder olhar nos olhos.

- Ela quem? Dawn, não esteve aqui ninguém. – Murmura, com um tom de voz cauteloso, como se qualquer palavra me pudesse fazer partir ao meio naquele exato momento. – Só nós os dois.

- Não... Eu vi-a. Ela tinha uma faca e ela magoou-me, Liam. – Aponto o arranhão, tocando-o de leve para sentir a textura húmida da ferida. Quando trago os dedos de volta ao meu campo de visão, eles vêm manchados de sangue. – Eu... Estou a sangrar.

- Bastante. – Responde. Levanta-se e tira compressas de um pequeno kit de primeiros socorros que tem no canto do cómodo. Molha-as com água oxigenada e aproxima-se, puxando a sua cadeira para ficar sentado frente a frente comigo. – Tens tomado as doses certas de anti psicóticos ultimamente?

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