Capítulo 1 (Parte 1)
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Hospício Criminal de North Blackburn, Tatoosh Island (Estados Unidos)
2 Anos Antes
Lewis Carroll disse uma vez, num dos seus livros - que mais tarde se tornou um clássico famoso - que não faz mal ser louco já que, palavras dele e não minhas, as melhores pessoas o são.
Talvez no País das Maravilhas.
Mas nunca em Blackburn.
Em Blackburn, os loucos são os que se lixam sempre.
E eu sei disso, porque cá estou há oito anos, dez meses, duas semanas, três dias, doze horas e vinte e cinco minutos. Dezanove, vinte, vinte e um segundos. Já sou quase parte da mobília.
E é exatamente isto que eu digo na consulta de segunda-feira com Liam Yeager, com quem tenho consulta todos os dias da semana, fora feriados ou festividades católicas, sobre um sorriso irónico do psicólogo, que nunca tirava os olhos de mim, como uma câmara de vigilância.
Ele não possui nem a pena nem a pressa de acabar as consultas que são características de outros médicos. Não me suavizava a voz porque "coitadinha da Dawn, não fecha a gaveta toda, matou os pais", palavras de troça de alguns que preferiam apenas passar-me doses mais altas de anti psicóticos e ir beber uns copos mais cedo com as mulheres para casa.
Normal, eu própria me trocaria por uma boa noite de sexo. Não que eu saiba o que isso é.
Ele é a única pessoa que me trata como se eu realmente estivesse bem da cabeça. Ele sabe que eu estou bem longe de estar: afinal, quem mata os próprios pais a sangue frio estando dentro da normalidade?
Só me parece que as coisas só tendem a ficar piores ao longo dos anos.
E eu nem sei exatamente do que me culpar, porque não me lembro de nada. A minha vida é apenas o antes e depois do Hospício a que sou obrigada a chamar de casa. O depois é o que vivo agora, uma história que ainda não acabou. O antes... Não existe na minha memória. Por mais que me tente lembrar, é como se nunca tivesse acontecido. Pouco vivi lá fora, e o que vivi foi-me tirado por um choque amnésico.
E, como eu me prefiro perder nos seus olhos azuis infinitos do que nos delírios que os enfermeiros dizem que eu tenho, deixo-me ficar na cadeira de couro mesmo depois das quatro, hora a que já deveria estar de volta à minha cela. Ou talvez no pátio da prisão a beber a água meio suja que vem do mar e que eles aproveitam para as fontes que alimentam os presidiários.
Em Blackburn vivemos assim.
Ficamo-nos pelos comprimidos e purés secos com carne picada. E, tendo em conta a fama que este lugar tem lá fora, já não é nada mau não nos darem veneno para os ratos.
A primeira fala de Liam Yeager. Cuidado mulheres sensíveis, não se apaixonem.
- Surpreende-me sempre com as suas ironias. – Diz Liam, iniciando no mesmo instante um discurso sobre os verdadeiros significados de algumas citações do escritor que eu referi. Fala, fala, fala. Nem parece que eu sou a paciente aqui. Mais um ponto positivo para Liam na minha consideração. – Então as perguntas, menina Dawn?
Acordo da minha concentração nos seus olhos - não confundir concentração com devaneios ou alucinações ou essas merdas todas que alguns médicos gostam de berrar nos meus ouvidos praticamente todos os dias -, relembrando a mim mesma o quão errada é a inegável atração que eu sinto pelo inglês.
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Reação em Cadeia ✓
Mystery / ThrillerPublicado com a Chiado Editora em 2019 ❝ reação em cadeia (chain reaction) - uma sequência de consequências provocadas por um único ato, que gera relações entre elementos outrora distintos. ❞ ♡ inked skins series | vol. 1