Capítulo 1

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Eu o conheci na Lapa. Vítor estava recostado na parede bebendo Heineken direto da garrafa enquanto conversava com alguns garotos que, acredito eu, estavam com ele. O rapaz parecia ser um desses - como dizíamos em minha época - moderninhos. Hipsters, acredito ser esse o nome hoje em dia. O óculos quadrado de aro grosso, o casaco xadrez, o cabelo longo em coque no topo da cabeça, a camiseta com os dizeres: "people are the worst".

Apesar de sua timidez flagrante, o rapaz era bonito. Não se parecia em nada com um velho como eu. Ele era alto, atlético e, através da camiseta, era possível ter um vislumbre de sua cintura fina que, em contraste com os ombros largos, eram como um convite para agarrá-lo pelo tronco. Talvez sua barba não me agradasse tanto. Grande e desgrenhada demais. Porém, confesso que sua aparência descuidada fazia parte de seu charme.

Abordá-lo não foi um grande desafio, apesar da minha insegurança. Apenas bolei um plano e segui com ele. Segurei por um tempo meu copo vazio e, quando o rapaz foi até o armazém, também fui comprar minha cerveja. Pode ser que ele tenha reparado em minhas intenções quando pisei lá dentro porque ele me olhou nos olhos e, assim que eu dei meu segundo passo, ele se virou, arqueou as costas e puxou papo com a dona da loja de bebidas. Ao entrar, eu me posicionei em seu lado esquerdo - assim meu braço direito teria espaço para tocá-lo em sua cintura.

- Licença! - disse à ele antes de me voltar para a senhora atrás do balcão. - Me vê uma Heineken!

- Achei que preferia Antarctica - ele disse apontando para o casco que eu trazia em mãos.

- Oi?

- Você devia ser mais direto, - ele continuou. - ou não vai conseguir nada.

- Acho que ela já entendeu.

- É... - ele disse se voltando para a rua. - Ela e eu também.

Ao sair, ele viu que os garotos que conversavam com ele já tinham ido embora. Naquele momento, eu ainda estava um pouco surpreso com a nossa conversa de forma que, instintivamente, o observei por alguns segundos enquanto ele acendia seu Camel. Ali, ele parecia um pouco perdido e frustrado. Quase indefeso.

Apenas quando ele me olhou e soltou um sorrisinho de canto de boca é que eu me dei conta de que o encarava. Imaginei que seria pior se eu me virasse e fosse embora, então fui até ele mais uma vez. Ao chegar próximo o bastante do rapaz para puxar uma conversa - após uma longa caminhada sob seu olhar - ele já tinha se sentado em um degrau sujo de bebida seca e lia uma versão de bolso de "Dom Casmurro". Lá, peguei um cigarro e o apontei para ele.

- Quem é que traz livro pra Lapa? - perguntei com um sorriso irônico.

- Você não sabe mesmo como se faz isso, ? - ele respondeu com o olhar perdido, um sorriso envergonhado e sem notar meu pedido pelo seu isqueiro. - Não quer fazer algum comentário sobre a minha camisa também?

- Qual o problema com a camiseta?

- Nenhum. - ele disse enquanto me fitava quase em desaprovação.

- Achei até engraçada.

- Agora melhorou. - ele disse, irônico, ao se levantar e guardar o livro no bolso. Só então compreendi minha gafe. - Se você não perguntar o que faço da vida, te conto onde eu comprei ela.

Vitor respondeu que era estudante de direito da UFRJ. Ele contou, ao acender meu cigarro em sua boca, que estava decepcionado com o curso. Ele já tinha um estágio que, segundo ele, era o suficiente para "sustentar meus vícios". Ainda assim, ele queria um trabalho que melhor se encaixasse com suas aspirações para o futuro e sua personalidade. Realmente, vendo-lhe ali segurando a cerveja como se fosse ela que o sustentasse em pé, era difícil de imaginá-lo em um terno se dirigindo à um juiz. Acredito que ele tenha ficado desconfortável falando de suas frustrações juvenis porque mudou de assunto de forma brusca:

- Quer ir pra algum outro lugar? - ele perguntou com os olhos grudados no chão.

Lá para as oito ou nove horas, nós fomos à um motel de esquina ali perto. Entramos a pé e fomos em direção ao balcão para pedir o quarto. Quando chegamos, ele se escondeu no corredor como se não quisesse que o atendente o visse. Paguei pelo pernoite e peguei a chave de número 17. Já no quarto, antes mesmo de eu ter tempo de fechar a porta, Vítor se despiu.

Vi-o largar as roupas jogadas por todos os lados e, pelo reflexo do espelho, pude ver algumas tatuagens que trazia escondidas sob sua fantasia hipster. Os desenhos pouco tinham a ver com o personagem que eu havia criado dele em minha mente. Em uma, a palavra "freedom" decorava em arco o topo de seu abdômen. Perguntei-lhe se era a referência que eu imaginava. Ele não respondeu. Ao invés disso, sentou-se nu em meu colo e me beijou enquanto me despia. Eu devia estar muito bêbado porque, naquela noite, o deixei me foder depois que eu tive a minha vez.

Pouco depois da meia-noite, acordei com Vítor me pedindo para ir embora. Ele precisaria acordar cedo na manhã seguinte. Nos despedimos com um beijo ainda no quarto e descemos juntos as escadas. Nos separamos sem dizer nada ao chegarmos na rua naquela madrugada de rua deserta. Dali, fui para casa.

Ao chegar, minha esposa ainda estava acordada e me perguntou se o jogo com meus colegas do trabalho tinha sido bom. Pedi-lhe desculpa pela demora e lhe expliquei que acabamos indo para um bar beber. Eu podia sentir na voz doce demais e cheia de muxoxo, que Marta se sentia estúpida e intrometida por fazer esse tipo de pergunta. Me senti culpado. Então, beijei-lhe a testa e a levei para a cama. Naquela noite, nós transamos como não fazíamos há muito tempo.

Rapaz da LapaOnde histórias criam vida. Descubra agora